Causo XXVI – Chacrinha por uma hora
O “causo” de agora teve como personagem principal este modesto e humilde escrevinhador destas mal traçadas linhas, no caso eu, e embora não seja propriamente um “causo” merecedor de um registro especial, assim o faço para prestar uma simples e singela homenagem a uma personalidade, de suma importância para o progresso e o desenvolvimento de toda a região, especialmente de Araguaína. Refiro-me ao senhor Benedito Vicente Ferreira, o saudoso senador Benedito Boa Sorte, que lamentavelmente hoje está no mais profundo esquecimento.
Quero deixar bem claro que em momento algum fui correligionário do senador Benedito Ferreira, e até discordava dos seus pontos de vista, principalmente na área política, até porque era ele um defensor intransigente da ditadura militar, filiado à ARENA e depois ao PDS, enquanto eu era totalmente ao contrário: participava do movimento antiditadura, e um autêntico “medebista” e posteriormente “peemedebista”. Eram poucas as vezes em que nos encontrávamos para conversar, e uma destas foi por ocasião de um churrasco no interior do FRIMAR, oferecido aos professores pela passagem do seu dia. Mas repito: mesmo diante destas nossas divergências, sempre nos respeitamos e admiramos um ao outro, pelo nosso posicionamento coerente.
Lembro-me bem do dia 9 de dezembro de 1988, dois dias após a cidade de Miracema do Norte (atual do Tocantins) ser escolhido a capital do Estado do Tocantins, quando eu cheguei até o senador Benedito Vicente Ferreira e lhe mostrei um artigo por mim escrito, no qual repudiava de forma veemente a atitude de quem traiu o povo araguainense, artigo este que ainda guardo arquivado nos meus alfarrábios. O senador leu todo o artigo, “de cabo a rabo”, elogiou o meu trabalho e me pediu para que o mesmo não fosse publicado, alegando vários motivos. Mas não segui o seu conselho e, com a ajuda financeira de vários amigos, mandei imprimir em uma gráfica local, e mais de 2.000 exemplares foram distribuídos em Araguaína. Vale ressaltar que o senador Benedito Vicente Ferreira teve um papel relevante na criação do Estado do Tocantins, sendo, juntamente com outros dois parlamentares, o autor do projeto criando o nosso estado.
E você, leitor amigo, pode estar perguntando a si mesmo: por que este comentário? E eu respondo: para apresentar o porquê da minha homenagem ao senador Benedito Vicente Ferreira, tentando resgatar a sua memória. Foi ele um dos pioneiros na área da comunicação araguainense, fundando ao lado de sua esposa, dona Dirce Ferreira, a Televisão Araguaína, canal 7, afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), e que tem prestado relevantes serviços a nossa comunidade. E o “causo” de agora está diretamente ligado àquela televisão.
No início da década de noventa, a Televisão Araguaína, canal 7, apresentava diariamente, ao meio-dia, um programa jornalístico do mais alto nível, de nome “O Povo na TV”, e que tinha em sua equipe verdadeiros monstros sagrados da imprensa tocantinense, como era o caso de Helder Peixoto, Paulo Czar, Big Boy, Vieira de Melo, Antônio Rezende, entre outros. Por questões de posicionamento político, eu era contrário ao programa, embora amigo de toda a sua equipe e reconhecedor da sua audiência total e absoluta. Aliás, eu costumava dizer a amigos, mas pedindo para que eles não comentassem com a equipe do programa, que “De cada dez casas araguainenses, onze estavam ligadas no programa O Povo na TV”.
Mas não sei por qual motivo, apesar de um membro da equipe ter me dito que por perseguições políticas, o programa saiu do ar. Tempos depois, a minha amiga jornalista Silene Borges me procurou, fazendo uma proposta de juntos levarmos adiante o projeto do programa televisivo. Pensei um pouco e, depois de muita insistência por parte da Silene Borges, mesmo reconhecendo não ser um tipo “bom de vídeo”, aceitei o desafio, e fomos então tratar os mínimos detalhes com o presidente da televisão, senador Benedito Vicente Ferreira. Ao entrarmos em sua sala, ele foi logo me desestimulando da ideia, afirmando que eu era muito brincalhão, muito inconsequente e outros “elogios” mais. Pensei em desistir, mas a Silene Borges ficou me encorajando, até que garanti ao senador que iria apresentar o programa com a maior seriedade possível e imaginária.
Uma semana antes da reestreia do programa, a cada intervalo comercial a emissora apresentava uma chamado do O Povo na TV, com a apresentação de Jauro Studart e Silene Borges. E a expectativa dos telespectadores araguainenses era enorme, principalmente pelo fato de os dois “não terem papo na língua” e assim “falar a verdade nua e crua, doa a quem doer”.
E eis que chega o grande dia da reestreia do programa. Antes de entrarmos no estúdio (o programa era ao vivo e em cores), a equipe de produção nos entrega o roteiro a ser seguido: chamadas das matérias, notícias, apelos, informações, compra e venda, etc. etc., já que era um programa popular e bastante eclético. E começa o novo O Povo na TV.
Em dado momento, eu pego um papel, onde estava escrito que um cidadão, residente no bairro Santa Teresinha, estava vendendo a sua bicicleta, em perfeito estado de conservação. Eu li o papel antes de falar, gravei o que estava escrito e na hora da minha participação informei aos telespectadores: “No bairro Santa Teresinha, o senhor Fulano de Tal está vendendo a sua bicicleta, em perfeito estado de saúde!”.
Terminado o programa, ao sair do estúdio, um funcionário me chamou e disse: “Seu Jauro, o senador quer falar com o senhor agora, em sua sala”. Fiquei até admirado, pois era hora do almoço e não imaginava que o senador Benedito Vicente Ferreira chegasse tão cedo à tarde.
Ao entrar em uma sala, ele me recebeu olhando no fundo dos meus olhos e disse: “O senhor não apresenta mais O Povo na TV! Televisão é coisa séria!”.
E assim durou menos de sessenta minutos a minha participação como “âncora” de um programa de televisão.
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