Causo XXII – O artista da inverdade
A vida me tem ensinado uma série de cousas, algumas delas colocadas em prática no cotidiano, e outras, por sinal em dose bem menor, que deixo “pra lá”, fazendo justamente o contrário, mesmo totalmente consciente que estou errado. Entre uma das coisas que aprendi ao longo destes meus mais de sessenta anos de vida é que não devemos ofender e/ou agredir, física ou moralmente, o nosso semelhante. Às vezes, e não são poucas. Eu faço de conta que esqueci estes ensinamentos e “desço a ripa” em A e em B, bastando para isso que tal criatura seja meu adversário, principalmente na área política. Sou partidário daquele dito popular: “companheiro meu não tem defeito; adversário, se não tiver, eu arrumo”.
Sou consciente que, graças à inteligência que nos foi dada pelo nosso Criador, o Deu Pai Todo Poderoso, a gente pode perfeitamente diferenciar o que é certo e o que é errado. Temos a inteligência que nos possibilita criticar uma pessoa, um grupo de pessoas, etc., sem a necessidade de usar palavras agressivas ou até mesmo de baixo calão. Quando eu ministrava aulas, sempre citava para os meus alunos este exemplo: “Se eu disser que a metade desta turma é burra, com certeza todos os alunos ficarão com raiva de mim. Mas, se eu disser que a metade é inteligente, todos ficarão alegres, se esquecendo que a outra metade é burra”.
Faço este comentário inicial para explicar o porquê deste título no “causo” de agora, que em uma linguagem chula e agressiva poderia ser intitulado de “O Mentiroso”. Por isso, preferi denominar o “causo” de “O artista da inverdade”. Aliás, mentir é uma arte, um dom. Tem gente que mente em um piscar de olhos, como um ex-professor do Colégio Integrado de Araguaína, que mentia tanto, ao ponto de ser instituído naquele estabelecimento o Troféu Pinóquio, e ele sempre ganhava, com louvor.
Tal professor mentia tanto que um certo dia, pela manhã, ao chegar ao colégio para ministrar suas aulas, foi abordado por um colega que lhe perguntou: “Professor, qual a mentira de hoje?”. E ele, quase chorando, respondeu: “Hoje eu não quero conversa! Meu pai está muito mal no hospital, desenganado pelos médicos!”. Ficamos todos muito tristes e, em um gesto de solidariedade, ao terminar as aulas do período matutino, decidimos ir ao Hospital Dona Nélcia, que ficava ao lado do colégio, para uma visita ao enfermo. Lá chegamos, fomos informados que o paciente não se encontrava, e pensando até que ele já tivesse morrido, resolvermos ir até a sua residência, nas proximidades do Mercado Público Municipal. Para a nossa surpresa, ao chegarmos na casa, encontramos o pai do professor sentado um um tamborete, almoçando chambari com farinha de puba. Aquela tinha sido a grande mentira do dia, contada pelo professor, e inventada em fração de segundos.
Pois bem! O Artista da Inverdade agora personagem deste “causo” é uma pessoa bastante conhecida e querida em Araguaína. Amigo dedicado e leal, um esposo de uma fidelidade acima de qualquer suspeita, um pai de família exemplar e um profissional de uma seriedade e honestidade ímpar. Trabalha ele como mecânico de automóveis – por sinal, o melhor de toda a região – mas, como ninguém é perfeito, às vezes, e não são poucas, ele gosta de contar umas “mentirinhas”.
Vale ressaltar que às vezes ele conta cousas que, por mais incrível que possa parecer, são verdadeiras, como o caso acontecido na cidade de Marabá, no Estado do Pará, quando ele, jogando no arco da seleção local contra o time do Corinthians Paulista, defendeu uma penalidade máxima cobrada pelo tricampeão mundial Rivelino. Lembro aos leitores que, quando mais novo e praticante do futebol, ele foi considerado o melhor goleiro das regiões Norte e Centro-Oeste, recebendo propostas e mais propostas para jogar em vários times do sul do país. Mas o seu amor por Araguaína sempre foi maior que tudo, e por isso nunca saiu daqui. Atualmente, ele é proprietário da Oficina Unicar, localizada na Avenida Prefeito João de Sousa Lima, em frente ao Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. As minhas homenagens ao meu amigo/irmão Fernando.
Mas vamos ao “causo”. No começo da tarde de um sábado, após o expediente de trabalho, estávamos eu, o administrador hospitalar João Augusto, o bancário Abelardo Américo, o Fernando, e outros colegas, a saborear umas “louras geladas” em um bar localizado no bairro São João, e o tema da conversa era caçadas e pescarias. Aí você sabe como é que é nestes momentos: um pescou um lambari de quase três metros de comprimento, outro matou três pacas com um só tiro de espingarda, e assim por diante. Foi então que o Fernando, que possui uma belíssima chácara na zona rural de Araguaína, chácara esta que considero um verdadeiro paraíso ecológico, começou a falar sobre as suas aventuras como caçador, afirmando que, tantas vezes quisesse, abatia várias espécies de animais, de uma simples paca até veado.
Na mesa ao lado estavam sentados três cidadãos que não conhecíamos e que observavam atentamente a conversa do amigo Fernando, que em dado momento nos convidou a irmos almoçar em sua chácara, cujo prato do dia seria uma paca, abatida na madrugada daquele dia. Ao ouvir o convite que nos foi formulado, um dos cidadãos que estava na outra mesa se levantou, colocou a mão no ombro do Fernando, perguntando se ele o conhecia, e ante a resposta negativa, se identificou como sendo um fiscal do IBAMA.
O Fernando não perdeu a classe. Levantou-se da mesa, cumprimentou cordial e educadamente o fiscal e lhe fez a mesma pergunta: “E o senhor sabe quem eu sou?”, com o fiscal respondendo que não.
“Eu sou o maior mentiroso desta região!”, afirmou o meu amigo Fernando, provocando risos na nossa mesa, na mesa vizinha e até mesmo no fiscal do IBAMA.
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