Causo XXI – O senador por dois estados
Em conformidade com o que determina a atual Constituição Brasileira, outorgada em 05 de outubro de 1988, pelo então presidente do Congresso Nacional, o saudoso deputado federal Ulisses Guimarães, o nosso Brasil é dirigido por três poderes, harmônicos e independentes, no caso o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. O Poder Legislativo, responsável pela elaboração das leis, é exercido pelo Congresso Nacional, formado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. O número de deputados federais, que no caso representam o povo, é proporcional ao número de habitantes dos estados, o que significa dizer que um estado mais populoso tem uma bancada mais numerosa que um estado menos populoso, enquanto o número de senadores, que representam o Estado, este é definitivo, ou seja, 3 para cada estado. Como atualmente temos 27 estados na federação, se multiplica este número por 3, e chegamos à conclusão que temos exatamente 81 senadores no Senado Federal.
Bem ao contrário do presidente da República, do deputado federal, do governador, do deputado estadual, do prefeito e do vereador, cujo mandato é de 4 anos, o mandato de um senador é de 8 anos, na proporção de 2/3. Em uma eleição é eleito um senador e, quatro anos depois, na eleição seguinte, são eleitos dois senadores, e assim sucessivamente. Para ser senador da República há uma série de exigências, uma das quais é que tenha mais de 35 anos de idade. Vale a pena observar que um senador, ao cumprir o oitavo ano do mandato, pode se candidatar à reeleição, e caso ele morra no exercício do mandato, ou seja, cassado, ou caso parecido, o cargo passa a ser ocupado pelo primeiro suplente, quase sempre um filho, um irmão, um cunhado, ou pessoa de sua confiança.
Porém, em um passado já remoto, para ser mais preciso depois do ditador Getúlio Vargas ser deposto, em 1945, e consequentemente a redemocratização brasileira, era permitido que uma personalidade política se candidatasse ao Senado Federal por dois estados brasileiros, tendo o próprio Getúlio Vargas se aproveitado desta situação, sendo candidato e posteriormente eleito nas eleições de 1946, o que abriu o seu caminho para uma volta ao Palácio do Catete, como presidente eleito em 1950, de onde saiu no dia 24 de agosto de 1954, ao pôr fim a sua própria vida.
E é justamente sobre um senador por dois estados que tive a honra, o orgulho e o prazer de conhecer pessoalmente, no início da década de 80, quando cheguei na cidade de Araguaína, o “causo” agora narrado. Entre as inúmeras pessoas que presenciaram o fato, juntamente comigo, posso citar o meu grande amigo e companheiro professor João Leite Neto, que nas eleições municipais de 1982 foi “ex-quase-possível-provável-futuro-candidato a prefeito municipal pelo PMDB. Na época, João Leite Neto era diretor do Colégio Integrado de Araguaína, enfim, uma influente personalidade na vida social-política-econômica-cultural e esportiva de Araguaína. Além de todos estes requisitos, tinha ele um outro privilégio que não dispensava por espécie alguma: a amizade sincera que lhe era dispensada, e a recíproca era a mesma, pelo eminente Senador Brasil, o senador por dois estados.
Estamos no início da década de oitenta, para ser mais preciso entre os meses de maio ou junho de 1981. Era eu um recém-chegado a Araguaína – como já disse no início, repito agora: cheguei aqui no dia 8 de maio de 1981 – e logo fiz amizade com um grupo bem alegre e divertido, do qual faziam parte o meu conterrâneo de Acaraú, José Raimundo Franklin Viana, o popular “Sargento Franklin”; o promotor de justiça César Belmiro Evangelista; o “capitão Nego Evaldo”; estes que já subiram para o andar superior, e mais o professor João Leite Neto, lá estava ao seu lado o Senador Brasil, comentando sobre a sua atuação parlamentar no Senado Federal, deixando a todos surpresos e impressionados com o seu poder argumentação e convencimento.
Naquele tempo, Araguaína tinha também um outro senador, no caso o senador Benedito Vicente Ferreira, o conhecido “Benedito Boa Sorte”, que por se dedicar mais ao trabalho nas suas empresas, como o “Frimar”, e permanecer mais tempo em Brasília, não era de participar de rodinhas e mais rodinhas, não tendo, portanto, a mesma popularidade do Senador Brasil. Convém lembrar que os dois senadores eram adversários políticos, pois enquanto o senador Benedito Boa Sorte era da ARENA, defensor intransigente do governo militar, que tinha à frente o general João Figueiredo, o Senador Brasil era do então MDB, lutando pela queda do governo militar e pela volta da democracia.
Um certo dia estávamos todos nós na mercearia do “Seu Antônio”, que ficava localizada em frente ao Hospital Dona Nélcia, na Rua Sadoc Correia esquina com a Avenida Tocantins, quando um jovem médico cardiologista se aproximou da roda e, ao ser apresentado ao Senador Brasil, este lhe garantiu que iria lhe arranjar um emprego como cardiologista do Senado, pois já tinha dado entrada a um projeto criando estas vagas, justificando para isto que os senadores eram velhos e precisavam cuidar mais da sua saúde, principalmente do coração. Na ocasião, o Senador Brasil falou sobre a morte de um senador, se não me falha a memória Nilo Coelho, que poucos dias antes tinha morrido de um infarto fulminante, no plenário daquela Casa de Leis. O jovem médico cardiologista, como não poderia deixar de ser, ficou radiante na expectativa de um crescimento profissional, mas infelizmente, até hoje, este seu emprego não saiu, e certamente não mais sairá, até mesmo porque nunca mais eu tive notícias do senador. Talvez até já tenho partido desta para uma vida melhor.
Mas o mais engraçado neste “causo” não foi a promessa do senador ao jovem cardiologista, mas sim o que agora será contado. Ao ouvir a promessa do senador, um outro médico, também recém-chegado, pediu ao Senador Brasil que lhe arrumasse um emprego em Brasília, e citou que era do sul do país, tinha se formado no Rio de Janeiro, e para concluir disse que tinha vindo para Araguaína, que era o puro mato, para fazer carreira. Ao ouvir aquela confissão, o Senador Brasil colocou as mãos nos ombros do médico e comentou bem alto: “Saiba, meu filho! Quem faz carreira no mato é viado”. A gargalhada foi geral, e o jovem médico se retirou desconfiado.
E você, meu leitor amigo, deve estar curioso por saber qual o outro estado que o senador representava, já que certamente o primeiro seria o de Goiás, ao qual Araguaína pertencia na época. E eu respondo: na verdade, nem o de Goiás. Os dois estados representados pelo Senador Brasil eram: O Estado de Fome e o Estado de Miséria. Nunca ele foi senador na vida, embora muita gente ainda acredite que ele foi.
Uma pessoa fenomenal, a quem neste momento eu presto as minhas homenagens. Valeu a pena tê-lo conhecido pessoalmente, meu “eterno Senador Brasil”!
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