Causo XIV - “Um ouvinte desaforado”
Embora exerça uma profissão bastante admirada e até certo ponto invejada pelo público, uma vez que ela apresenta um certo status e a errônea impressão de ser muito bem remunerada, o comunicador social, principalmente aqueles que trabalham em emissoras de rádio, o chamado radialista, na verdade “come o pão que o diabo amassou” no exercício do seu trabalho. É ele uma referência, um exemplo para os seus ouvintes, e como tal, ao menor deslize, repentinamente faz ruir por terra, desmoronar por completo, tudo o que foi construído com muito esforço ao longo da sua carreira profissional.
É claro e evidente que, às vezes, e não são poucas, o próprio profissional do rádio comete gafes e mais gafes imperdoáveis e é responsável direto por estes desmoronamentos, que culminam com a falta de credibilidade por parte do público ouvinte. Como exemplo, posso citar o caso acontecido com um conhecido radialista araguainense que num certo dia, ao apresentar o seu programa, recebeu do seu assistente um pedaço de papel onde estava expresso que, naquele programa, ele deveria fazer a propaganda de um certo posto de gasolina por quatro vezes e o assistente escreveu no referido papel o nome do posto e um “4 X”. No ar, o radialista noticiou que no posto tal a gasolina era a mais barata e o consumidor ainda pagava em 4 vezes. Foi um verdadeiro “Deus nos acuda”. Filas e mais filas no posto citado, com o coitadinho do proprietário sendo obrigado a vender a gasolina a prestação, senão seria processado por propaganda enganosa. Poucos dias depois, o posto faliu e o empresário prefere ver o diabo na sua frente a ver o radialista causador da sua desdita.
Aliás, vale lembrar que um outro radialista, em um outro programa radiofônico, leu uma notícia que lhe foi passada pela equipe de redação, segundo a qual no bairro São João, em Araguaína, uma casa tinha sido arrombada. Antes mesmo de ler a notícia, ele decidiu fazer no ar um comentário sobre o assunto e o público ouvinte foi obrigado a escutar esta baboseira: “Onde está a nossa segurança? Pois não é que no bairro São João um casal, de homem e mulher, foi arrombado por um bandido!”.
Mas o caso mais engraçado, entre tantos e tantos que aqui poderiam ser contados, aconteceu em uma certa cidade do interior e teve como protagonista um radialista extremamente competente, que fazia questão que os seus programas fossem do mais alto nível, tipo programas informativos e educativos, e que por ter uma voz possante, mas ao mesmo tempo aveludada, de imediato conquistou a audiência total dos ouvintes. Aliás, no perímetro urbano e na zona rural, no momento em que seu programa estava no ar, só se via homens, mulheres, jovens, gays etc. etc. com um radinho de pilha colado ao ouvido escutando o que aquele verdadeiro ídolo das multidões falava. Por uma questão de ética, vou chamar o referido radialista apenas pelo nome de “Rouxinol da Serra”, como ele era bastante conhecido em toda a região.
Desejoso em explorar a criatividade do público ouvinte, o radialista resolveu criar no seu programa, que ia ao ar nas manhãs das segundas, quartas e sextas-feiras, uma seção denominada “Esta Tarde Se Improvisa”, que consistia na participação, pelo telefone, do ouvinte, que criava uma palavra que não existisse no dicionário e, após comprovada a sua inexistência no chamado “Pai dos Burros”, ele formava uma frase com a referida palavra. Os prêmios oferecidos aos ganhadores eram os mais diversos. Quero ressaltar que eu, este humilde escrivinhador, ajudava o “Rouxinol da Serra” no programa, sendo o responsável pela consulta ao dicionário e a pesquisa sobre a palavra.
Em uma certa manhã, um jovem de voz meio fanhosa ligou para o programa afirmando que queria participar da seção e, após as explicações de praxe por parte do radialista, ele declarou que sabia tudo sobre o quadro e que tinha inventado uma palavra.
- Qual é a palavra?, perguntou o “Rouxinol da Serra”.
- VA C, respondeu a voz do outro lado da linha.
- Vaci!?, comentou, surpreso, e perguntou como se escrevia essa palavra.
- VA - CI!, afirmou, repetindo umas três ou quatro vezes.
O titular do programa olhou para mim e pediu para consultar o dicionário, o que fiz com o maior cuidado. Ao ser constatado que no “Mestre Aurélio” não tinha tal palavra, o radialista disse para o ouvinte:
- Você já deu o primeiro passo para ganhar um valioso prêmio! Agora, forme a frase com a palavra VACI.
E do outro lado da linha, a voz fanhosa disse em alto e bom tom:
- Vá se F.....!
Foi um verdadeiro rebuliço na emissora. O “Rouxinol da Serra” ficou super-hiper-nervoso, deu uma lição de moral no ouvinte, dizendo que aquele programa era sério e coisa e tal, e queria por tudo tirar o programa do ar. Mas, depois de alguns goles de água com açúcar e colheradas de “Maracujina”, além de ouvir algumas músicas do rei Roberto Carlos que foram colocados no ar, o apresentou reiniciou o programa. Do outro lado da linha, uma outra voz e o mesmo comentário.
- Qual é a palavra, perguntou o “Rouxinol da Serra”.
- EU DI, respondeu.
- Eudi!?, comentou surpreso, e perguntou como se escrevia essa palavra.
- E U - D I, afirmou, repetindo umas três ou quatro vezes. O titular do programa olhou para mim e pediu para consultar o dicionário, o que fiz com o maior cuidado. Ao ser constatado que a tal palavra não existia no “Mestre Aurélio”, o radialista disse para o ouvinte:
- Você já deu o primeiro passo para ganhar um valioso prêmio! Agora, forme a frase com a palavra EUDI.
E do outro lado da linha, a voz, agora novamente fanhosa, disse em alto e bom tom:
- Eu De Novo! Vá Se F....!
E nunca mais o programa matutino “Esta Tarde Se Improvisa” foi ao ar. Mas, com certeza, neste momento, ao ler este “causo”, o “Rouxinol da Serra” deve estar dando sonoras gargalhadas.
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