Causo VII - “E as pias? Cadê as pias?”

O fato agora narrado já se tornou do conhecimento público há mais de 20 anos, mais precisamente no mês de abril de 1984, através da sua publicação na edição nº 2 do “Jornal Integração – Órgão Informativo Mensal do Centro Cívico do Colégio Integrado de Araguaína”. Para os leitores que conhecem a cidade há pouco tempo, eu gostaria de lembrar que o Colégio Integrado marcou a história da educação em toda a região, com uma equipe de professores do mais alto nível, entre os quais João Leite Neto, Júlio Rafael Pero Rondelli, Wadya Oliveira Carvalho, Osmar Pinheiro, José Batista Rezende, Maria de Fátima da Silva, Valéria Suely Cinta da Silva, Marco Antônio Sampaio Cansado, Davanita Albuquerque e este humilde escrevinhador. Depois vieram outros grandes mestres, como Francisco Edwilges Albuquerque, mas eu citei apenas aqueles desde o início do C.I.A.

À época, no início dos anos 80, os alunos concluíam o 2º Grau no Colégio Integrado e de imediato faziam o vestibular nas mais diversas universidades espalhadas pelo Brasil, e o sucesso era garantido. Como exemplo podemos citar a advogada Rosy Borba, o médico João Lopes Machado, o engenheiro Alan Kardec Ferreira Moreira, os odontólogos Alankardene e Alangardes, e tantos outros que foram homenageados pela coluna “Frutos do Integrado”, em uma das edições do “Jornal Integração”. Aliás, até com uma certa pitada de honra e orgulho, ressalto que o consagrado jornalista Helter Duarte, que constantemente está aparecendo na televisão, fazendo belíssimas reportagens para grandes programas da Rede Globo, como o “Jornal Nacional” e o “Fantástico”, foi aluno do C.I.A. e, consequentemente, meu aluno. É ou não é motivo para nos sentirmos envaidecidos?

O nosso “causo” de agora tem como personagem principal o conceituado e brilhante engenheiro araguainense Osmar Pinheiro, que na época do acontecido ministrava aulas de Matemática e Física no C.I.A. Volto a repetir: este caso foi publicado no “Jornal Integração” e, por isso, a sua publicação será na íntegra, sem tirarmos, ou colocarmos, uma só vírgula, ponto e vírgula, ou ponto. Vamos ao fato acontecido.

Quando se fala em caçador e/ou pescador, de imediato nos vem uma descrença total, haja vista serem estas duas profissões sinônimas de mentiras, embora não constantes no “pai dos burros”. Mas a nossa história de hoje é a mais pura verdade. Talvez a única, no mundo, que seja verídica.

Tal história tem como personagem principal uma figura muito querida e respeitada em nosso meio, no caso o misto de professor e engenheiro Osmar Pinheiro, o homem forte – tem quase cento e cinquenta quilos – da “Aço – Araguaína Construções”. (Obs.: na época, era este o nome da empresa do Osmar, e que funcionava na Rua Falcão Coelho, conhecida como Rua da Tripa).

Nas horas vagas é o nosso focalizado uma espécie de terror da nossa fauna, sendo já constantes em sua vida as penetrações em nossas matas, antes não exploradas pelo bravo Anhanguera, a procura das mais variadas espécies animalescas, não escapando nem mesmo os dóceis e inofensivos veados. E o interessante e que, ao retornar destas suas aventuras, antes mesmo de se dirigi para a sua casa, é o nosso querido amigo Osmar Pinheiro visto pelas bandas da “Feirinha” e do mercado, não com a finalidade de vender o conseguido nas caçadas, mas – dizem as más línguas – de comprar.

E na noite de uma certa quinta-feira, o nosso personagem programa, com outro companheiro de aventuras, uma nova caçada para o final de semana que se aproximava. Logo cedinho do dia seguinte, com um cheque especial do “Agrobanco” (banco que não existe mais e cuja agência funcionava na Avenida Cônego João Lima, onde atualmente funciona a Thays Calçados) no bolso, Osmar vai até a “Pioneira Caça e Pesca” (que hoje também não mais existe e estava localizada onde atualmente funciona o Shopping Popular) para adquirir os apetrechos apropriados e, como homem prevenido que é, não esqueceu nem mesmo as pilhas para a lanterna. Nada deixara ele para a última hora. Cantarolando uma linda melodia do “Milionário e José Rico”, ele sai da Pioneira e ruma para casa, onde deixa o que fora comprado em cima de um velho guarda-roupa. E à noite, no momento de folga, comentava com os demais professores a sua esperança de êxito na caçada programada.

Acontece que, enquanto ele dava aulas aqui no colégio, na mesma hora faltava luz no Bairro Senador, o que não era de se estranhar no local onde reside o nosso focalizado (vale ressaltar que na época não existia a CELTINS e, por isso, não tínhamos a energia de qualidade que temos hoje). Seus filhos dormiam tranquilos e sua compreensiva cara-metade (por motivos óbvios, vou omitir o nome) sentia-se só. Lembrou-se ela que o som é uma excelente terapia para a solidão, e resolveu transferir da lanterna, que se encontrava em cima do guarda-roupa, para o seu moto-rádio, as pilhas ainda virgens. E fica a escutar a Rádio Araguaia, que por uma ironia do destino colocava no ar uma música de Roberto Carlos, protestando contra o progresso e a matança dos animais.

Sábado de manhã! Início do final de semana! Oscar acorda cedinho. Apanha os apetrechos, beija os três filhinhos, beija a esposa e, mais parecendo um alpinista do Everest, com a mochila nas costas, segue rumo ao desconhecido. Aliás, desconhecido apenas para ele, pois o local escolhido era da maior intimidade com o seu companheiro, haja vista o mesmo, no dia anterior, ter para lá se deslocado, deixando amarradas quatro pacas para serem vítimas do pseudo-caçador.

Após uma caminhada de aproximadamente 20 quilômetros, em mata cerrada, o companheiro de Osmar Pinheiro lhe mostra o local propício e retorna para a cidade, prometendo vir apanhá-lo no dia seguinte. O caçador engenheiro arma a sua rede a uma altura de quase três metros, bebe umas doses de “amansa corno”, whisky cearense que o Jauro havia lhe presenteado (aqui eu lembro que a narrativa está na íntegra, do jeito que foi publicado em 1985 no Jornal Integração), tira o gosto com alguns lambaris fritos, que comprara lá pras bandas do Loteamento Maracanã, e como ninguém é de ferro, resolve descansar, pois precisava estar em perfeitas condições para enfrentar as antas, os catitus, as capivaras e até mesmo, quem sabe, as onças. Sobe a rede e dorme, um sono inocente de criança.

E já há muito o sol havia desaparecido no horizonte, dando lugar às trevas cruéis, o nosso Osmar roncava qual um suíno. De repente, não mais que de repente, desperta assustado com alguma zoada na mata. Incontinente, abre a mochila, tira a lanterna, foca e aperta o botão, e um grito sai perdido no ar: “E as pias? Cadê as pias?”.

E na escuridão da noite, arranhando-se por todo o corpo, caminha vencido em busca da civilização. E até hoje, por certo, até mesmo as quatro pacas que estavam amarradas devem estar correndo com medo de um grito que se tornou legenda: “E as pias? Cadê as pias?”.

OBS.: Este fato, repito, aconteceu ainda no início da década de oitenta. Portanto, esperamos que os órgãos federais, estaduais e municipais ligados ao meio ambiente não venham a “aporrinhar” o nosso Osmar Pinheiro pelo acontecido que, na verdade, não aconteceu.