Causo V - “A mulher que pariu a cobra”

Quando eu cheguei em Araguaína, justamente no dia 8 de maio de 1981, de imediato passei a lecionar três disciplinas no saudoso Colégio Integrado de Araguaína, um dos orgulhos desta região e de propriedade do médico Túlio Neves da Costa e do professor João Leite Neto. No 2º Grau, eu ministrava aulas de Literatura Brasileira e no 1º Grau, História do Brasil e OSBP, disciplina esta que foi eliminada do currículo escolar.

Araguaína, na época, era algo impressionante em termos de cultura. Lembro-me que certa vez fui até a Biblioteca Pública, que funcionava no prédio onde atualmente é a agência Lago Azul do Banco do Brasil, e solicitei da funcionária um livro de Eça de Queiroz. A resposta me deixou de cabelo em pé: “Da Eça de Queiroz, não tem nenhum livro, mas tem da irmã dela, a Raquel”. É ou não é im-pres-si-o-nan-te tamanho conhecimento literário?

Vários e vários “causos” capazes de fazer cego ver, surdo ouvir, mudo falar e aleijado andar aconteceram no desenrolar dos anos, mas nenhum deles marcou tanto como o que vai ser narrado, atendendo a mil e uma solicitações dos amigos, que sempre me pedem para que eu conte esta história, uma história inacreditável. É a história da mulher que deu luz a uma cobra, isto acontecendo no Hospital da OSEGO, como era antigamente chamado o hoje Hospital de Referência de Araguaína. Aliás, vale ressaltar que aquele hospital já teve mais de dez nomes: Hospital da OSEGO, Hospital Regional, Hospital Comunitário, Hospital de Referência e por aí vai.

O Hospital da OSEGO, cuja entrada era pela Avenida 13 de Maio, que à época não era asfaltada, atendia a todos os pacientes da região, independente da sua posição econômica e social, embora não podemos negar que em todos os cantos do mundo há uma certa diferença entre o rico e o pobre. Um exemplo foi o acontecido, mais ou menos, em maio de 1985, poucos dias depois da morte do presidente Tancredo Neves, causada por uma “diverticulite”. Naquela época, num dos leitos do Hospital da OSEGO, faleceu um pobre coitado - residente no Bairro Areias, como era chamado o hoje Bairro São João - acometido pelo mesmo mal que causou a morte do “doutor Tancredo”. Aproximei-me do médico que acompanhou o paciente até os seus últimos momentos e lhe perguntei de que o coitado tinha morrido. A resposta foi de bate-pronto: “Ele morreu de nó na tripa”. Será que precisa de prova maior para a diferença entre o pobre e o rico?

Mas voltemos ao assunto “A mulher que pariu a cobra”. Na manhã de um certo sábado, não me lembro bem de que ano, mas foi entre 1985 e 1986, quando eu saía de casa (à época eu residia na Rua Sadoc Correia, em frente ao ex-Hospital Dona Nélcia) para ir à Feira Livre na Praça do Mercado Municipal, observei que um grande número de pessoas se concentrava em frente ao Hospital da OSEGO e, então, decidi deixar a feira em segundo plano, mudando o meu itinerário, e no caminho escutava das pessoas um mesmo comentário: “a mulher pariu uma cobra”. Graças à amizade que eu tinha com o porteiro do hospital, consegui entrar no recinto e fui direto a um dos quartos, onde me deparei com uma cena que jamais esquecerei pelo resto da minha vida. Deitada em um dos leitos estava uma mulher de aproximadamente 25 anos de idade, com alguns parentes e amigos ao seu lado. Em cima de uma mesinha, no canto do quarto, encontrava-se um vidro com álcool e uma cobra de aproximadamente 50 centímetros dentro. Quase morri de rir ao ver aquela cena, comentando com alguns dos parentes que “neste lugar eu sei que entra cobra, mas sair foi a primeira vez que vi”. Fui repreendido severamente por um vereador, que inclusive pediu que eu me retirasse do ambiente, pois estava desrespeitando um ser humano que teve um parto anormal.

Passados alguns meses do acontecido, eis que no mês de julho de 1987 a Prefeitura Municipal de Araguaína solicitou da Câmara Municipal de Araguaína a autorização para conceder uma verba de CZ$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil cruzados) ao Sindicato Rural de Araguaína, que iria promover a Exposição Agropecuária de Araguaína. Com esta verba, poderia abrir os portões do Parque de Exposições à visitação pública.

As discussões sobre a solicitação da prefeitura, na época administrada pelo prefeito Corneliano Eduardo de Barros, eram bastante acirradas e, como não poderia deixar de ser, alguns vereadores se posicionaram favoráveis e outro contrários. Naquela época, as sessões da Câmara Municipal eram realizadas no período vespertino, e na tarde de quarta-feira, dia 24 de junho de 1987, por ocasião da terceira e última votação do projeto, o ilustre vereador João Cristóvão Filho, popularmente conhecido pelo nome de “Joãozinho da Farmácia”, por ser proprietário da Farmácia São João, localizada na Praça das Bandeiras, e um dos contrários à doação, ao fazer o uso da palavra para justificar o seu voto, assim se expressou: “Esta importância, meus nobres pares, deveria ser dada para a mulher que deu à luz uma cobra, pois a mulher precisa urgentemente fazer um tratamento em Goiânia, já que a cobra roeu o seu útero”.

P.S.: Uma ligeira observação: o pronunciamento do vereador João Cristóvão Filho no publicado no jornal O PROGRESSO, Ano XVII, Edição nº 6.465, da quinta-feira, 26 de novembro de 1987. Fiz esta observação para provar a veracidade do fato, ou seja, “eu mato a cobra e mostro o pau”.