Não passou do primeiro número

Capítulo XXIII

Ao tomar conhecimento da novidade, surgiu em mim um misto de surpresa e de alegria. Surpresa pelo fato de IMGUINORAPULIS passar a ter um veículo de comunicação escrita e alegria por ter em mãos algo que, sem sombra de dúvidas, iria dar uma significativa parcela de contribuição para o desenvolvimento cultural da cidade. Mas, ao mesmo tempo, senti-me bastante preocupado: "Será que vai ter público leitor para o jornal?", perguntava aos meus botões. Afinal, segundo me informou o próprio Eugênio, a circulação do semanário seria mensal, "ou seja, mês sim, mês não", conforme afirmações do referido jornalista. Garanto que fiquei torcendo, rezando para todos os santos e santas para que a iniciativa tivesse êxito e o jornal tivesse uma vida duradoura. E fiquei aguardando o lançamento do primeiro exemplar; aliás, não só eu, mas quase toda a população. Teve gente que chegou a comentar comigo da sua expectativa com o jornal, que ao adquirir iria matar dois coelhos com uma só cajadada: saber das notícias e usar para outra coisa. Creio não ser necessário eu entrar em maiores detalhes.
Finalmente, chegou o grande e esperado dia. Em clima de muita festa, estavam na praça as maiores autoridades municipais: o prefeito LADRONESIO FURTADO; o presidente da Câmara Municipal, vereador FURTUOSO VALADRÃO; as musas imguinorapulienses EVA GINA DO REGO BRILHANTE e JACINTA PENA DO PINTO, o padre SANTOBALDO, o rebolativo VIADINO e várias outras personalidades, aguardando a chegada do "pau-de-arara" vindo da capital e que traria o jornalista com os exemplares do jornal. O calor era imenso, mas ninguém saía de perto do final do "pau-de-arara", tamanha era a ansiedade popular. E eis que, após uma espera de quase três horas - a chegada do "pau-de-arara" estava prevista para o meio dia e já eram quase quinze horas - aparece ao longe o veículo. O prefeito autorizou o ZÉ FOGUETEIRO a soltar os foguetes e ao maestro SINFONICO a iniciar a execução dos hinos e dobrados. IMGUINORAPULIS estava dando um passo decisivo rumo ao progresso.
Estaciona o "pau-de-arara" no ponto de parada e, ante os aplausos do público presente, o jornalista Eugênio desce do veículo segurando vários pacotes, com tanto cuidado que mais parecia segredo de estado. O senhor prefeito tentou ajudá-lo na tarefa de conduzir os pacotes, mas o jornalista dispensou a ajuda, afirmando que iria primeiro para a pensão, descansar um pouco, e somente depois do descanso é que passaria a vender os jornais. "O que é dado não tem valor, por isso o jornal será vendido, embora a um preço simbólico, de promoção", disse-me quando pedi-lhe um exemplar para dar uma olhada. Realmente, neste ponto ele estava mais que certo. O trabalho do ser humano dever ser reconhecido e pago, afinal "quem trabalha de graça é relógio", comentou ele ao me negar o exemplar.
Tentei dar uma rápida espiada no jornal e tive uma nova surpresa, ou melhor, duas surpresas. A primeira foi com relação à criatividade do jornalista Eugênio, já que cada exemplar estava totalmente dentro de um envelope de plástico, permitindo ao leitor que não o comprasse ler apenas o nome do jornal e a manchete da primeira página. É bom lembrar que a criatividade de Eugênio foi imitada por vários editores brasileiros e internacionais, haja vista que atualmente quase todas as revistas e jornais estão sendo vendidos plastificados. A outra surpresa foi com relação ao nome do jornal, O REGRESSO, que achei um nome não apropriado, e com a manchete de primeira página: "Vereador entra na igreja e morde a canela do padre", e mais abaixo estava escrito em letras bem pequenininhas: matéria completa na página 5.
Perguntei ao jornalista Eugênio o porquê do nome O REGRESSO para o jornal e ele, com a imbecilidade e arrogância que lhe eram peculiares, informou-me que tinha duplo sentido: o primeiro pelo fato de ele estar regressando para IMGUINORAPULIS com o jornal, e outro é porque ele sabia que em uma certa cidade brasileira tinha um jornal com o nome de O PROGRESSO, que ele achava muito bonito. Mas como em tudo ele queria ser original, não gostando de imitações, resolveu chamar o seu jornal de O REGRESSO. A sua justificativa não me convenceu, mas isso pouco importa. E por causa dessas coincidências da vida, poucos anos depois deste fato, eu vim morar em Araguaína e passei a trabalhar como editor regional de O PROGRESSO, de Imperatriz, no Maranhão, cargo que ocupei por vários anos.
Comprei o jornal e a minha primeira ação foi ir direto para a página número 5, curioso por saber os maiores detalhes daquela notícia, que não era do conhecimento de nenhum morador da cidade. O interessante é que quem observava apenas o envelope lacrado com o nome do jornal e manchete ficava a imaginar qual teria sido o vereador a cometer aquele sacrilégio. O padre SANTOBALDO me confidenciou que duas beatas chegaram até a sua casa, levando água e sabão, e de uma forma até violenta levantaram a sua batina para ver e lavar o local da mordida. A notícia, portanto, assim de primeira mão, antes de se ler a matéria completa, provocou um alvoroço em IMGUINORAPULIS.
Abro o jornal na página 5 e lá está escrito: "Na cidade de Perdidinha, distante a 2.003 quilômetros de Imguinorapulis, o cachorro vira-lata conhecido pelo nome de vereador entrou na igreja e mordeu a perna do vigário, no momento em que ele celebrava a missa. O padre era vacinado e o cachorro nada sofreu". O jornalista Eugênio passou a sofrer todo o tipo de hostilização e ameaça, sendo obrigado a fugir de IMGUINORAPULIS na noite daquele mesmo dia, trajando um vestido de EVA GINA. E o "hebdomadário" não passou do primeiro número.

           Continua no próximo domingo.