Amor de carnaval desaparece na fumaça/Saudade é coisa que dá e passa. Mas isso sempre foi coisa de Zé Keti, o sambista do morro que desceu para o asfalto e, ao lado de Nara Leão e João do Vale, esse nosso conterrâneo de Pedreiras, fez um estrondoso sucesso com o show Opinião. E ainda é coisa de Zé Keti a sua mania de cantar o carnaval, como fez com a marcha-rancho Máscara negra: Tanto riso,/Oh! quanta alegria,/Mais de mil palhaços no salão/O Arlequim está chorando/Pelo amor da Colombina/No meio da multidão! E tudo isso no carnaval que passou – em que a saudade deve ser matada, o beijo deve ser beijado, porque é carnaval, o lugar onde o sambista tem a liberdade de cantar e amar.
Mas Zé Keti era o samba. Continua sendo. E é ele quem diz, com toda a força do seu canto: Eu sou o samba/A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/Quero mostrar ao mundo que tenho valor/Eu sou o rei dos terreiros/Eu sou o samba/Sou natural daqui do Rio de Janeiro/Sou quem levo a alegria/Para milhões de brasileiros. E, assim, com irreverência, o sambista Zé Keti expressa a sua resistência, a resistência de um povo, contra todas as incompreensões: Podem me prender/Podem me bater/Podem, até deixar-me sem comer/Que eu não mudo de opinião/Daqui do morro/Eu não saio, não/Se não tem água/Eu furo um poço/Se não tem carne/Eu compro um osso/E ponho na sopa/E deixo andar. E aí vai o sambista, dançando e cantando em todos os carnavais. E diz mais: Se alguém perguntar por mim/Diz que fui por aí/Levando um violão/Debaixo do braço/Em qualquer esquina eu paro/Em qualquer botequim eu entro/E se houver motivo/É mais um samba que eu faço/Se quiseres saber/Se volto diga que sim/Mas depois que a saudade se afastar de mim.
Zé Keti é o morro. É o samba. É a voz do samba, que desce o morro para fazer os brancos dançarem, saracoteando desengonçados na avenida. Zé Keti é esse traço de união entre o canto do negro, que se liberta da senzala, e solta a sua voz de liberdade para dar alegria ao senhor dessa senzala. Por isso, como um lamento, ele canta o reverso desse sentimento: Acender as velas/Já é profissão/Quando não tem samba/Tem desilusão.
Chico e Vinícius, mais líricos, têm um canto de carnaval de mais desencanto. Sonho de um carnaval, o samba de Chico que fala dos desenganos do carnaval. Ele começa pela desilusão do desengano: Carnaval, desengano/Deixei a dor em casa me esperando/E brinquei e gritei e fui vestido de rei/Quarta-feira sempre desce o pano. E nesse canto de Chico, há a esperança “que gente longe viva na lembrança/que gente triste possa entrar na dança/que gente grande saiba ser criança”. Mas os desenganos só são sentidos na quarta-feira, quando desce o pano. As serpentinas se despregam do corpo suado de tantas ilusões, de tantos sonhos, que desaparecem ainda no suave retinir dos pandeiros e dos tamborins, cujos batuques vão, aos poucos, se distanciando como o amor de carnaval que desaparece na fumaça.
Vinícius, o nosso poetinha de todas as horas, fala da felicidade, mas antes diz que a tristeza não tem fim, felicidade sim. Não sei se isso é apenas uma rima, ou uma realidade rimada, no sentido de estabelecer a fragilidade de um sentimento tão sublime, que, por ser felicidade, faz-nos felizes. Mas Vinícius, ao poetizar sobre a finitude do ser feliz, canta que “a felicidade do pobre parece/a grande ilusão do carnaval/a gente trabalha o ano inteiro/por um momento de sonho/pra fazer a fantasia/de rei ou de pirata ou de jardineira/pra tudo se acabar na quarta-feira. Pois é, quarta-feira desce o pano, e o amor de carnaval esvai-se com todas as alegrias e os ritmos que o embalaram, ficando apenas a saudade de todas as ilusões sonhadas.
Bem. Sem ser pessimista, e muito menos leviano com quaisquer sentimentos, neste carnaval, prefiro o Pierrot apaixonado à Jardineira. O Pierrot por causa de uma Colombina acabou chorando, e, por ter levado um grande chute, foi tomar sorvete com o arlequim. Foi melhor assim, a ficar eternamente triste como a Jardineira . Tanto que passa um carnaval, vem outro, e tá lá a Jardineira firme na sua tristeza, em repetindo-se a tragédia de a Camélia ter caído do galho, ter dado dois suspiros e morrido. E, mesmo com esse trágico desenlace, comum aos carnavais, a turma insiste: Vem jardineira/Vem meu amor/Não fique triste/Que este mundo é todo teu/Tu és muito mais bonita/Que a camélia que morreu. Pois bem: com Pierrot ou Jardineira, vamos soltar confetes e serpentinas e tomar muito vermute com amendoim. Isso pode até não ser uma solução, mas é uma excelente rima. De muitos carnavais.
* Membro da AML e AIL.
Comentários