Nos dias 8 a 10 deste mês de junho, foi realizado em Maceió, Alagoas, o XXXIX Fórum Nacional de Juizados Especiais, com a presença de juízes e juízas de todo o Brasil. Esse conclave se reveste de fundamental importância para que sejam discutidos, repensados e reafirmados os princípios informadores dos Juizados Especiais, numa perspectiva de ser uma Justiça autônoma, alicerçada nos postulados da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, tendo com meta, sempre que possível, a busca da conciliação ou da transação. Assentam-se os Juizados Especiais na menor complexidade das causas ou nas infrações penais de menor potencial ofensivo. Atenho-me aqui a falar sobre os Juizados Especiais Cíveis, em vista da vigência do novo Código de Processo Civil de 2015, que trouxe algumas substanciais mudanças de natureza procedimental, a carecerem, no âmbito da justiça especial, exames e comentários pré-iniciais, uma vez manifestados a poucos meses de vida do neoestatuto processual civil, a suscitarem polêmicas que, com o decurso de sua aplicação, deverão ser dirimidas.

Uma das premissas a ser posta consiste na necessidade impositiva de sobrevalorar e manter intacta a autonomia principiológica dos Juizados Especiais Cíveis, consagrada no art. 2.° da Lei 9.099/95, cuja norma regenciadora é considerada no sistema dessa nova Justiça como a lei-mãe, na feliz expressão da lavra da Ministra Fátima Nancy Andrighi, Corregedora Nacional de Justiça.
Já no FONAJE de Minas Gerais, realizado no final de 2015, essa dicotomia pricipiológica, entre a Justiça nova e a Tradicional (do CPC), recebeu definição clara com a aprovação do Enunciado 161, cujo cânone recomenda que “considerando o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2.° da Lei 9.099/95”. Esse enunciado fixa, como uma bússola hermenêutica, o caminho a ser seguido, assim a nos dizer, de modo peremptório, que não se misturam o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Cíveis com as regras formais do CPC.
Na palestra-aula da Ministra Nancy Andrighi, alguns aspectos funcionais e de procedimento ficaram evidenciados. Primeiramente, acentuou a Ministra Corregedora do CNJ que o juiz de Juizado é quem detém a maior amplitude do poder jurisdicional, ressaltando que o advento do CPC/2015 se constitui no marco de libertação dos Juizados, ao estabelecer a desvinculação definitiva da Justiça Tradicional, contaminada pelo excessivo formalismo. E, num outro ponto da sua fala, disse a ministra: o momento não pode ser mais propício para selar a independência dos Juizados, ao afirmar que os princípios orientadores do JEC são fundamentais e diferenciadores, com base constitucional (art. 98, I), prevendo a participação de juiz leigo, com um processo unitário e simples, que não pode socorrer-se do CPC, a não ser quando a própria lei do JEC faz expressa referência, como nos arts. 30, 51 e 52. E ainda enfatizou a Ministra Nancy: a Lei 9.099/95 é a verdadeira constituição dos Juizados Especiais, sendo inequívoca a autorização de o juiz de Juizado obedecer aos critérios do sistema, na medida em que jamais se pode aplicar o CPC em caráter subsidiário ou supletivamente, quer seja o velho ou o novo Código.
Essas palavras da Ministra Nancy Andrighi foram secundadas pelas do Des. Fernando Cerqueira, que tratou do tema Juizados Especiais e o Novo CPC, reiterando de forma enfática que o sistema dos Juizados Especiais (Lei 9.099/05) é absolutamente autônomo em relação às regras e ritos do CPC. E os princípios dos Juizados devem ser seguidos para alcançar o postulado máximo da duração razoável do processo. Enfatizou, ainda, que um dos critérios é a descentralização dos Juizados, efetivando-se pela proximidade dos serviços jurisdicionais à população em geral, com prevalência na conciliação. Os Juizados foram pensados para facilitar o acesso ao jurisdicionado, cujas demandas são de menor complexidade, e as decisões não podem nem devem atender às exigências formais do art. 489 do CPC, haja vista até o que dispõe o art. 38 da Lei 9,099/95.
No final do encontro, foi editada a Carta de Maceió, reafirmando a preservação da autonomia e independência do Sistema do JEC, com a aprovação de dois enunciados: 1.° Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua. 2.° Nos Juizados Especiais Cíveis, o juízo prévio de admissibilidade do recurso será feito em primeiro grau. A par desses enunciados, outro deve ser debatido no próximo FONAJE, que é o que trata da intimação exclusiva de advogado, outro formalismo abusivo do novo CPC, em evidente infringência aos critérios da simplicidade, informalidade e celeridade. Por enquanto, deve prevalecer o Enunciado 77, que fixa o entendimento de que “o advogado cujo nome constar do termo de audiência estará habilitado para todos os atos do processo, inclusive para o recurso”, assim não tendo aplicação o § 5.° do art. 272 do CPC/2015. Por ser construtivo o debate, voltarei ao assunto.