O XXII Congresso Brasileiro de Magistrados foi realizado nos dias 29 a 31 de outubro, em Rio Quente, Goiás, e tratou de vários temas importantes para a justiça e cidadania brasileira, como “O Direito e Transformação Social”, cuja palestra foi proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, destacando as mudanças do papel do juiz em face dos novos desafios sociais e condenando a cultura do litígio. Outros temas foram desenvolvidos com proficiência, como “O Magistrado e o Novo CPC”, ou ainda “Técnicas de Mediação e Conflito”, com a exposição feita pelo juiz André Gomma de Azevedo, que já esteve em São Luís, participando de evento patrocinado pela Escola Superior da Magistratura do Maranhão (ESMAM). Também foi desenvolvido o painel “Solução de Conflitos: Conciliação e Arbitragem”, tendo como expositores os ministros do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Felipe Salomão e Marco Aurélio Buzzi. Contou ainda o XXII Congresso com a presença do sociólogo e professor Sérgio Adorno, que participou do painel “Justiça e Sociedade: Percepções e Experiências”.

Examinemos alguns pontos fundamentais do que foi exposto e debatido nesse importante congresso de magistrados.
O ministro Luís Roberto Barroso discorreu sobre a transformação da sociedade em que vivemos, e, como decorrência, sobre a aplicação do direito na solução das situações novas que surgem. E, na sua palestra, referiu-se ao papel do juiz atual que difere do magistrado moldado em outros valores, ressaltando que “o papel do juiz era, no passado, de identificar as normas aplicáveis e fazer valer nos casos concretos a solução que o legislador ou o constituinte já havia previsto nas leis”. Tratava-se, quis dizer o ministro, de uma função eminentemente técnica, não mais adequada à sociedade de nossos tempos, marcada pela complexidade, pelo pluralismo e pela diversidade. Enfatiza: “O Direito já não consegue prever toda a gama de situações que ocorrem nessa sociedade complexa que vivemos. De modo que, em múltiplos casos, o juiz se torna coparticipante no processo de criação do Direito naquelas situações para as quais não existe uma solução pré-pronta.”
Não deixa de ter razão o ministro Barroso, mesmo porque a norma jurídica, por mais clara que seja, sempre será interpretada, uma vez que o texto legal não é meramente aplicado, mas deve ser compreendido, não apenas num exercício literal, mas cultural, elaborando-se o direito ante a solução do caso concreto. Por isso, a norma não está no texto; está na decisão, já que a regra positivada é apenas uma referência, a ser interpretada ante a complexidade do conflito a ser equacionado por quem decide conflito. Nesse sentido, Eros Grau, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, na sua obra “Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito”, afirma que ‘o produto da interpretação é a norma”, para assim resumir: “a norma encontra-se, em estado de potência, involucrada no texto”. O texto normativo precisa ser compreendido pelo intérprete (o mundo do dever ser) na busca da solução para fatos controvertidos (o mundo do ser). Essa, em essência, a coparticipação do juiz na criação do Direito. Apenas um aviso: aqui não se trata de ativismo judicial.
O ministro Barroso ainda denuncia o sistema punitivo do Brasil que “é feito para pegar pobre”. Não disse mais do que o óbvio. Basta que se faça uma descompromissada visita às nossas cadeias públicas ou penitenciárias e constata-se essa brutal realidade, produto de um sistema desigual e injusto, em que os mais ricos continuam mais ricos, e os pobres ficam cada vez mais miseráveis. Recente notícia dos nossos jornais diz que, “apesar da recessão”, ou seja, da tão difundida crise econômica, os bancos brasileiros têm o seu lucro elevado. Exemplificando: o Bradesco e o Santander, no terceiro trimestre deste ano, lucraram R$ 4,12 bilhões e R$ 1.266 bilhões, em relação ao mesmo período de 2014. Já o empregado desses bancos, para ter alguns centavos de aumento, precisa fazer greve. E ainda é incompreendido.
Por todas essas contradições, enfatiza o ministro Barroso: vivemos a epidemia de processos. São mais de cem milhões de ações tramitando pelo Judiciário de nossa pátria amada. O juiz brasileiro está atolado acima do pescoço. E isso em todas as instâncias. Não há exceção.
Luiz Felipe Salomão, do STJ, no painel “Solução de Conflitos: Conciliação e Arbitragem”, afirma que o Brasil possui a segunda maior carga de trabalho do mundo: 4.616 processos por juiz, com uma taxa de congestionamento de 70%. Já o ministro do STJ, Marco Aurélio Buzzi, cita números avassaladores e acrescenta: “No Brasil, a expressão procurar Justiça ainda é sinônimo de ajuizar ação judicial.” É a cultura da litigância, um vírus que contamina toda a sociedade brasileira. Ninguém quer perder; todos querem ganhar.
O somatório desses fatores negativos levou o sociólogo Sérgio Adorno a produzir esse alerta: “Há algo que nos divide – a violência.” De fato, não somos o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda. Cultivamos a cultura do conflito. A violência nos divide. Hoje, acentuadamente, refletida no ódio. Para o Judiciário, fica a espinhosa tarefa da pacificação.