Aureliano Neto*

AWanderley Alves Reis, nascido em Cajuri, Minas Gerais, em 2 de outubro de 1945. Assim foi batizado e registrado. No dia 8 de fevereiro de 2012, o seu coração parou do cansaço de todas as emoções nele acumuladas durante mais de quarenta anos de paixão musical . Enfim, sucumbiu, embora eterno enquanto dure a sua arte de cantar e dos poemas que transformou em canções. Wando, conhecido e celebrizado em todo o Brasil, pelo doce apelido que lhe foi alcunhado pela avó, deixou para imortalizar-se vastíssimo repertório de puro e ensandecido amor: - Moça, Fogo e Paixão, Chora Coração, Gosto de Maçã, Safada, Obsceno, Coisa Cristalina e tanto e inúmeros sucessos, que fizeram daquele menino que veio ao mundo numa casa de pau a pique, no interior de Minas, de chão batido pelas intempéries, para se projetar no mundo do show business e se tornar quase unanimidade nacional, por ter poetizado as suas músicas com tema de amor e de avassaladoras paixões, indo no extremo ao identificar-se com aqueles que padecem da sofrência das desilusões e desse mal que é amar desvairadamente. Da sua obra, a verdade: quem não ama, não vive. Qualquer amor, sem quaisquer resquícios de preconceito, ainda que o clandestino, porquanto encravado lá dentro do coração.
Em Chora Coração, Wando expressa o sentimento da perda do amor, quando entoa o canto da desilusão, ao fazer o registro de que "o amor quando se vai, deixa a marca da paixão, feito o cio de uma loba, feito o uivo de um cão, é feitiço que não sai, dilacera o coração". E com força poética, estribilha o sentimento da perda: "Chora coração, chora coração, passarinho na gaiola, feito gente na prisão." Já em Fogo e Paixão, que não de sua autoria, mas de Rose (?), Wando, com a sensibilidade lírica do poeta que veio lá do chão, canta o sentir dos apaixonados, que veem na mulher ou no homem amados o centro de todo o seu universo de paixão. Refere-se à luz do ser amado, do raio, da estrela e do luar, clareados pela forte manhã do sol. E diz mais, reforçando a dicotomia universal: "Você é 'sim' / E nunca meu 'não' / Quando tão louca / Me beija na boca/ Me ama no chão." Aí a verve do canto do poeta popular, uma espécie de Patativa da paixão desvairada. Sentimento esse que enobrece e desbrutaliza o ser humano. Amar, mesmo que na expressão contundente de Camões, que, com lirismo incomum, falou do amor, é o verbo mais humano, já que conjugado por todos nós, faz com que o mundo seja um espaço de vida possível de viver-se.
Wando cantou, ao paroxismo, o amor e as paixões. A sua resistência foi até aos 66 anos. O coração cansou. Os poetas não resistem tanto e a tanto. E ele ressoa esse sentir em Coisa Cristalina, na exaltação do retorno: "Lá vou eu de novo, coração nos olhos num final de tarde, me sentindo assim cheio de vontade, de te ver de novo." É verdade: desde o primeiro sucesso como compositor, pelos anos de 1973 a 1975, quando Jair Rodrigues interpretou o samba O Importante é Ser Fevereiro, o tema fora sempre o amor, se bem que, na nossa memória, tenha ficado o refrão "o importante é ser fevereiro e ter carnaval para gente sambar". Porém, a primeira estrofe desse samba entoa o desvario das paixões que consagraria todas as suas canções: "Vem amor / Enxugue as lágrimas dos teus olhos / Deixe o passado pelo amor de Deus / Tristeza aqui não tem lugar / Pra que chorar". Em Obsceno, Wando deixa o recato do lirismo descomprometido e avança num sentido luxurioso ao dizer que "você provoca mostrando o corpo num vestido tentador e insinua / realizar todos os meus sonhos de amor (...) Você sabe que teu cruzar de pernas fascina."
O ciúme, que se atrela às paixões desenfreadas, é um das suas preocupações. Mas, ressalte-se, o ciúme dela. Na música Safada, faz referência a esse sentimento negativo como a fortalecer o relacionamento entre os dois: "Eu te quero assim / Falando bobagem / Fazendo besteira / Rodando a baiana / Brigando na feira / Xingando a vizinha / Se ela me olhar." E conclui num refrão com uma riquíssima rima: "Faz! Faz! / Que é gostoso demais."
Esse é Wando. Para alguns, considerado brega. E pior: como qualidade depreciativa, também romântico. O certo é que Wando não quis saber de barquinho ou de Ipanema. Cantou o amor e as paixões de forma radical, não deixando nenhuma dúvida sobre os seus sentimentos.
Moça, seu grande sucesso inicial, como cantor e compositor. Estourou em 1975. Quando cheguei a Imperatriz, no início de 1975, era canção obrigatória em todos os lugares, dos mais chiques e aos menos sofisticados. Nunca foi bem uma canção de cabaré, embora se refira à não pureza da moça, cujo passado é tão forte que pode até machucar. Ainda assim, sem esperar o amanhã, pede que todo o sentimento seja jogado em suas mãos. E, por último, numa evocação dramática, clama em tom luxuriante que quer "se enrolar nos teus cabelos / abraçar teu corpo inteiro, morrer de amor, de amor se perder". Por essa época, 1975 para 1976, tive um amigo que vivia um amor clandestino. Não era bem uma moça, talvez menos pura que a de Wando. Mas era bonita, morena e de cabelos pretos como as asas da graúna. Esse meu amigo, com mil promessas que não foram cumpridas, se virava do avesso, só para abraçá-la, nos bares da vida. Suplicava para não esperar o amanhã, já que o momento era de levar o seu coração pronto e se entregar. A moça ficou no passado, ainda que meu amigo tenha se enrolado em seus cabelos, mas continua, no fogo da paixão, porém mais arrefecido, a viver com o amor antigo, que insistiu em não dobrar as mangas do tempo.

aureliano_neto@zipmail.com.br