Estamos vivendo um período denominado enfaticamente de black friday. Manifestação de consumo de massa tipicamente norte-americana, que foi transplantada para o Brasil, que adora essas novidades estadunidenses, sobretudo na era Trump. Não sei se a tal black friday dura um dia, uma semana ou um mês. Só sei que está como um vírus letal disseminada em todos os lugares e todas as portas. Vive-se, dorme-se, acorda-se e come-se black friday. Tudo vendido a preço de banana. Expressão esta mais antiga do que andar pra frente e que caiu em absoluto desuso, sendo substituída, de algum tempo para cá, pelo exotismo e internacionalismo black e... ...friday. No meio dessa história toda, encontra-se o consumidor. O marketing tem como finalidade capturá-lo, vivo ou morto. Desde que compre. Dizem os mais sabidos que a publicidade é alma do negócio. E o consumidor é atraído ao chamamento da black friday, como o abutre é atraído pela carniça. Vai com todo ímpeto como se realizasse a última vontade de sua vida. É capaz de vender a própria alma. Enfim, pechincha é pechincha. E o "besta" do comerciante está praticando um preço que vale o sacrifício do gasto. Entra nesse vendaval de emoções blackfridayana o cartão de crédito. Três vezes, cinco vezes, dez vezes, vinte vezes. O freguês é quem manda. E haja endividamento, até porque o futuro vem na frente. Chegando lá, resolve-se o irresolvido. Consequência: SERASA. SPC e outras restrições. Bem. Pode ser, pode não ser.

De toda essa relação, resulta o consumidor endividado, ou superendividado. Passa a ser um problema de dimensão brutal, pois essa situação de desequilíbrio afeta, na maioria das vezes, toda uma família. E nem black friday dá jeito. Nem o papa Francisco. E muito menos o bispo Macedo. Não porque o bispo seja menos. Não é isso. Muito pelo contrário. Que o diga Bolsonaro. O caminho obrigatório: PROCON ou o Judiciário, nas instâncias que tratam das questões de consumo. As reclamações se avolumam. As decisões nem sempre agradam.
Vivemos a pós-modernidade. Ou melhor: vivemos a crise da pós-modernidade, em que uma das características é a despersonalização das relações, e, entre essas relações, a de consumo. As contratações são de massa, nas quais as condições de venda do produto ou serviço são impostas ao consumidor, que tem a manifestação de sua vontade suprimida. Isso é próprio de um mundo que está em processo de dessocialização. Na expressão dos juristas Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem, em O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis, 2. ed., p. 128, "o pós-modernismo é uma crise de desconstrução e desdogmatização do direito", com profundas alterações no campo das relações jurídicas, sobretudo as de consumo.
A partir dessa premissa, é possível compreender-se a posição do consumidor nessa sociedade pós-moderna, como um ser vulnerável, que necessita de proteção. A Constituição Federal de 1988, que, no mês de outubro, completou 30 anos de vigência, consagrou a defesa do consumidor como direito fundamental, assim prevendo-a no art. 5.º, inc. XXXII: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. E assim o fez, ainda mais consagrando essa defesa como princípio da ordem econômica, fixando limites à iniciativa privada e à autonomia da vontade. Em seguida, veio à lume a Lei n.º 8.088, de 11 de setembro de 1990 (o Código de Defesa do Consumidor), que, no artigo introdutório, estabelece que as normas de defesa do consumidor são de ordem pública e de interesse social. E no inc. I do art. 4.º, reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. 
O que objetiva esse princípio da vulnerabilidade? Numa cultura uniformizante de massa e da prevalência da tecnologia de consumo virtual, em que as contratações são automatizadas, tem como escopo específico garantir a igualdade substancial entre o mais fraco (o consumidor) e o mais forte (o fornecedor de produto ou serviço). Assim, ao garantir-se essa igualdade, como princípio e fundamento constitucional, estabelece-se um equilíbrio, e considerando as acentuadas diferenças nas atividades negociais, é possível promover-se a defesa do mais vulnerável, a se caracterizar pela vulnerabilidade jurídica, técnica, fática e informacional. Cada uma com os seus contornos dogmático-doutrinários.
Por último, o consumidor, essencialmente vulnerável, por mandamento constitucional, acima de tudo os idosos e os analfabetos, devem ter cuidado com o uso de cartão de crédito, hoje o meio de pagamento mais utilizado nas relações de consumo. É dessas circunstâncias atípicas que surgem, por força de uma atração provocada pelos fornecedores, os endividamentos desproporcionais, excessivos e corrosivos não só para o endividado (ou superendividado) mas para toda a família. De outro modo, há sempre necessidade de fazer-se uma revisão de cláusulas contratuais, um dos direitos básicos do consumidor (inc. V, art. 6.°, do CDC), em vista da onerosidade excessiva. 
Mas, embora vulnerável e protegido, todo cuidado é pouco. O canto da sereia do consumo é extremamente perigoso.

* Membro da AML e AIL.