Esse adjetivo “fideístas”, acima usado no título, se origina da palavra fideísmo, doutrina que se fundamenta numa fé irracional, que prega verdades absolutas e indiscutíveis. Ou seja: a ideia do fideísmo é que as questões religiosas não podem ser justificadas por meio de argumentos ou provas, mas apenas pela fé. Para o fideísta, não há argumento para justificar a fé, que se sustenta na absoluta irracionalidade. O fideísta é aquele mesmo que, perante Pilatos (que teve o cuidado de lavar as mãos), condenou Cristo, acreditando em seus argumentos irracionais e, ainda, na vingança para preservar o poder religioso, que entendia estar sendo solapado por um homem que se dizia Filho de Deus. O fideísta, de forma insensata e em defesa da “sua igreja”, mata, trucida e condena sem provas, mas firmado numa irracionalidade (portanto, sem fundamentos) ditada por uma fé que não admite o contraditório. Há espécimes de fideístas. O fideísta da moral, cuja conduta se assenta na amoralidade. O fideísta da lei, que a aplica sem examinar a sua finalidade social; para ele, a lei é o espaço onde se resume o direito. O fideísta do contrato, que afirma convictamente que o contrato faz lei entre partes, sem interpretar as suas cláusulas e a boa-fé dos contratantes. O fideísta que julga sob o ponto de vista de suas concepções pessoais, usando os argumentos mais fúteis para condenar sem provas. E condena com a crueldade dessas convicções doentias. O fideísta do escárnio, da velhacaria, que transforma um ato sério numa brincadeira de ponta de rua. O fideísta que faz do seu voto um instrumento de galhofa, de zombaria, em grave conduta de execração à cidadania e aos postulados do Estado de direito. Enfim, há fideístas de todos os matizes, justificando irracionalmente os meios para alcançar os seus bizarros e amorais fins.

Lembrei-me, por isso mesmo, do Tratado sobre a tolerância, de Voltaire. Quem o leu, ou quem tem lido? Infelizmente, ninguém. Nas escolas, deveriam voltar a ler clássico como esse. Serviria para iluminar as ideias do mundo, retirando-as das trevas contaminadas por concepções religiosas fideístas e, assim, contribuiria para extirpar e humanizar posições fundamentalistas irracionais, que levaram, no passado, e ainda levam muitas vítimas inocentes a serem supliciadas e executadas por crimes que não cometeram.
No dia 17, domingo de muita expectativa para a cidadania, a Câmara Federal, presidida por um facínora, com vários crimes praticados e denunciado formalmente no STF, foi transformada numa corte de bobos, em que a seriedade de um momento histórico da maior importância para a República se transformou em sucessivos e impertinentes atos de galhofa, bizarrice, desrespeito, cretinice e manifestação fundamentalista de cunho religioso, na qual o nome de Deus foi, a todo momento, pronunciado como justificativa da prática de vilania. Do crime em si do suposto criminoso, nada foi dito ou arguido. Mas as histrionices, ditas com ar de galhofa, num momento de muita seriedade para a vida republicana do país, foram enfatizadas como fundamento do voto “sim”. Um exemplo negativo, de conduta caracterizada pela vilania e pela irresponsabilidade, para tormento de algumas pessoas, ainda que muito poucas, que possuem algum resquício de massa cefálica para pensar.
Sucediam-se os bobos e bobas da corte, jogando os seus insultos à inteligência ainda que dos mais analfabetos dos brasileiros. E a coisa seguiu nesse tom: Por meu neto e meu bisneto, meu cunhado e minha mulher, eu voto sim. Pelos torturadores do golpe de 64, que trucidaram e maltrataram muitos brasileiros, eu voto sim. Eu voto sim, Sr. Presidente, porque o sim é minha vocação, quando vou aceitar propina, e Sr., mais do ninguém, é sabedor disso, e eu voto sim, por isso e por muito mais, pelos meus filhos, pelas minhas venturas e desventuras amorosas, eu voto sim. Eu voto sim, Sr. Presidente, em homenagem à Suíça, terra distante e, ao mesmo tempo, bem perto, que o Sr. tão bem conhece, sobretudo os bancos, onde se encontram suas contas e onde estão depositados alguns milhões de dólares, eu voto sim. Em homenagem ao pastor fulano ou sicrano, não sei se de ovelhas ou de gente, eu voto sim, desde que o dízimo, o maior símbolo de corrupção de muitas igrejas, continue sendo pago religiosamente. Não sei se apareceu algum desses bastardos fantasiados votando o sim em gratidão ao papa Francisco, cuja igreja, que comanda, condenou em priscas eras o fideísmo. Mas pode ser que tenha aparecido alguma dessas figuras, vestidas de verde e amarelo, que tá na moda, embora o carnaval só seja no ano que vem, e tenha prestado essa justa e significativa homenagem ao Sumo Pontífice, como costumam nominá-lo com esse honorífico título os menos íntimos. Como não poderia ser de outro modo, o sim ganhou, para aplausos da galera, que ainda não percebeu que o velho e velhíssimo volta ao lugar do não, porque o mal, minha gente, nunca se aposenta. Apenas aguarda sua vez.