Alguém já disse: viver é envelhecer. Se não me engana, foi Simone de Beauvoir. Talvez se tenha aí uma verdade, a depender de cada pessoa. Uns envelhecem com muita nitidez. Tanto no modo de ver o mundo e pensar como fisicamente; outros insistem em não envelhecer. Lutam bravamente contra o tempo e os sintomas materiais da velhice, fazendo de tudo para que a juventude não os abandone. Com velhice ou sem velhice, mais morremos que vivemos. No naufrágio do Titanic, todos se preocupavam com a morte iminente. Os músicos, não. Continuaram tocando. Impassivamente tocando, como se estivessem homenageando o funeral deles mesmos e dos outros náufragos. Quiçá - desculpem o preciosismo desse advérbio de pouco uso -, tenha razão o nosso recorrente Machado de Assis quando diz, sem ser essencialmente passadista, que o passado é a melhor parte do presente. William Faulkner, escritor norte-americano, prêmio Nobel de Literatura de 1949, aqui algumas vezes citado, ao referir-se ao passado, afirma que nunca morre. E conclui incisivo: sequer é passado. Já Bernardo Guimarães sintetiza o tempo numa simples frase: Grande é poder do tempo. Para alguns, tempo é dinheiro; para outros, menos afortunados, tempo é viver, ou morrer, ou, ainda, uma “síntese do sucessivo”, onde se inclui o passado. Em Tempos modernos, de Chaplin, o tempo do operário, apertando repetitivamente os parafusos, o faz ser vítima do uso repetitivo desse tempo, medido e exigido, como forma de produção capitalista.
Tudo isso aí exposto me veio em razão de um inusitado diálogo entre um padre e uma senhora. Senhora bem vivida no tempo, ressalve-se. De mais de noventa anos de idade. Portanto, carregando uma experiência, a desafiar estudos apurados desses grandes pensadores, que têm tratado do tempo, essa eternidade móvel, na concepção platônica.
O fato foi me dito e assim passo adiante.
Era aniversário de uma respeitável senhora. O padre se fazia presente. Ao realizar a pregação em homenagem à aniversariante, em comemoração aos mais de noventa anos de vida da anfitriã, perguntou: - Quem acredita em vida após a morte? Silêncio momentâneo. A resposta exigia alguma grave reflexão de ordem espiritual. Dos presentes, a mais vivida era a aniversariante. Ainda assim, não teve a imediata resposta. O padre não desistiu e insistiu na pergunta. Do canto e do alto da sua idade, saiu a nossa respeitável senhora e respondeu: - Eu, por experiência própria, acredito na vida após a morte. Todos se voltaram para a aniversariante. Alguns com risos abertos, outros mais contidos, e ainda havia aqueles que a conheciam com mais intimidade que esboçaram um ar de perplexidade. Ela repetiu a sua resposta, e o padre fez a indagação clássica: - Por quê? A nossa personagem explicou:
- Olha, padre, eu acredito na vida após morte. E essa crença vem desde quando meu marido morreu. Foi justamente a partir da morte do meu marido que passei a viver. Antes, não vivia. Com a morte dele, passei a rir, a cantar, a dançar, a passear, a ter uma vida que com ele nunca tivera. Enfim, a sua morte me fez viver.
O silêncio transmudou-se numa gargalhada. E os noventa anos dessa honorável senhora passaram a ser comemorados com a certeza de que a vida após a morte nada tem a ver com espiritualidade, mas apenas com espirituosidade. Há pessoas que sabem ser eternas enquanto duram. Para essas, a morte é apenas um momento, e da vida vivida, ela consegue roubar só esse momento.
Lendo um cronista de um dos nossos jornais, ele cita um amigo de 91 anos, quando lhe perguntou sobre a saúde. – Olha, responde, tu sabes que eu estou morrendo de câncer, mas enquanto eu me sentir bem como me sinto, eu sou eterno.” Esse é o sentido eterno da vida, que supera a morte.
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