Finalmente, por curiosidade, me apossei do decreto das armas, assinado pelo capitão e também presidente Jair Messias Bolsonaro. Além dessa importante e expressiva assinatura, por se tratar de um dos altos dignitários da República, constam, ainda, como anuentes, que consagraram com o brasão de sua caneta o decreto, o ex-juiz Sérgio Moro, que, de um pulo, saiu da magistratura para ser Ministro da Justiça, com poderes extraordinários para fazer o diabo que quisesse, ainda com a promessa explícita de ser alçado a Ministro do Supremo Tribunal Federal, e mais Fernando Azevedo e OnyxLorenzoni, os quais, por serem tão importantes, desconheço o apito que tocam. Com certeza, não são índios, pois o panorama do momento histórico da nossa querida pátria amada não está muito favorável para os nossos aborígenes, que, desde 1500, foram tirados do seu sossego bucólico, quando a turma do Cabral por aqui chegou, já naqueles longínquos tempos passando-lhes a perna, ao ofertar-lhes presentinhos insignificantes para conquistar a sua confiança. Daí em diante, não deu outra: a vaca, que sequer existia em terras brasilis, foi pro brejo.
Ah!,ia esquecendo: o decreto das armas não é um decretinho qualquer. Contém 67 artigos. E trata de alguns temas que mais interessam à indústria armamentista e, por que não dizer, às grandes organizações criminosas, destacando-se nesse cenário beligerante, de permissividade total, os traficantes e milicianos, que até então faziam aquisições e vendas no mercado negro, passam a operar dentro da “legalidade”. O que regulamenta o decreto? Em resumo, dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição. E estabelece regras extremamente liberais, que não se coadunam com a índole de nossa sociedade, muito mais pacífica do que adepta da guerra, com exceção dos tempos atuais.
Quem pode se cadastrar e fazer uso de arma de fogo? O decreto traz uma relação bem ampla, incluindo conselheiro tutelar (?) e residente em área rural. Região esta de grandes conflitos entre grileiros e posseiros, onde, sem esse permissivo armamentista, os assassinatos se sucediam e, com essa possibilidade de conteúdo generalizado, em que basta a residência na área, não há dúvida de que prevalecerá a lei do mais forte. Regride-se à barbárie, criando-se um clima de guerra permanente no seio de nosso povo, que Sérgio Buarque de Holanda o denominou de “homem cordial”, embora receba críticas ferinas de alguns sociólogos.
Ao ser editado o decreto das armas, muitas críticas surgiram de todos os lados, até mesmo desse nosso retrógrado Congresso Nacional. Tacharam a norma belicista de Bolsonaro e de Sérgio Moro de inconstitucional. Vejam bem: o art. 41 desse famigerado decreto é claro ao conferir competência, nesse campo de regulação, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por essa regra e pelo teor técnico do decreto, estruturado no sentido de conceder total liberalidade armamentista, a dedução óbvia é de que passou por “juristas” do Ministério da Justiça, embora Moro, ao ser indagado, tenha dado uma resposta na qual denotava absoluto alheamento participativo da sua atividade funcional, no governo, com esse objetivo de ser implantado no país um regime de faroeste, em que o derramamento de sangue venha a manchar as mãos de quem assinou esse édito macabro.
Cito uma regra simples e fundamental para quem governa de forma civilizada: não se combate violência com violência. Pelo contrário, a violência é o fundamento gerador da violência. O Marquês de Beccaria (CesareBeccaria) já nos alertava sobre essa relação fatal de causa e efeito. A partir dele, humanizou-se o Direito Penal, especificamente a aplicação das penas. Mas, infelizmente, os homens não conseguiram humanizar-se. As ideias reformadoras de Beccaria, de forte conteúdo iluminista, chegaram até aos nossos tempos desde 1764, quando veio a lume a sua clássica obra Dos delitos e das penas. É dele essa brevíssima lição, citada aqui de passagem: “Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade (...) A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade.” Alguns, em contraponto, retrucarão: bandido deve ser tratado como bandido. Já ouvi esse refrão diabólico muitas vezes. Isso desde quando compreendi a distinção entre o bem do mal. Nunca resolveu os problemas sociais, que nunca deixarão de ser essencialmentesociais. Temos hoje no Brasil uma das polícias que mais mata no mundo. Muitas das vezes, “erra” o alvo e mata o pobre inocente. E aí como é que fica? Por tudo isso, por esses contrassensos, vamos à guerra?! Vamos nos matar porque a insensatez de um governante despreparado, belicista, que devota amor às armas e despreza a educação, e, num arrobo de estupidez, resolve trocar a sensibilidade educacional do estudo de filosofia pelo uso da barbárie educativa. Aonde chegaremos? 

* Membro da AML e AIL.