Depois que andaram dizendo por aí que iriam desinvestir nos cursos de sociologia e filosofia, com finalidade de focar em áreas que gerem “retorno “ao contribuinte, irrompeu-me a interrogação exclamativa: em que pátria amada estou?! Nós mudamos ou eles mudaram? Não houve resposta. Mas, um pouco depois, a massa cefálica deu um suspiro e questionou: será que a possível nova medida educacional tem como objetivo fomentar profissionais sem formação ideológica? É. Cá comigo mesmo, quis aceitar essa sugestão do meu inquieto cérebro.
No caminho dessa estapafúrdia insensatez, que tem a idealização de em ministro da deseducação, deu-se uma grita de vários segmentos de nossa pátria amada, menos comprometidos com essas modernidades dos tempos atuais. Um professor de física da Unicamp, Leandro Tessler, refutou essa desastrosa novidade afirmando que “nenhum lugar do mundo tem universidade de prestígio sem humanas, filosofia, sociologia, história”. E, em seguida, enfatizou: “Isso é muito importante para saber que nazismo não foi de esquerda, por exemplo.” Outros seguiram a mesma rota de crítica, esclarecendo que “o governo erra se a proposta de esvaziar sociologia e filosofia for, de fato, redução de custos. Esses cursos têm operação relativamente barata se comparados às ciências da saúde, que muitas vezes têm laboratórios requintados e equipamentos importados que podem valer alguns milhões. Sociologia e filosofia precisam de bons professores, salas de aula e bibliotecas”.
Esse discurso de resistência, em combate à insensatez da ideia do ministro, adotada, sem justificativas sérias, pelas redes sociais, em manifestação sucinta do governo, assume vários contornos, referindo-se à necessidade pedagógica desses cursos, ou, ainda, do pouco investimento para mantê-los operando.
Para a nossa pátria amada, deduz-se que a sociologia, a filosofia, a antropologia, a economia, enfim todas as ciências sociais, não têm sido de grande valor para formação educacional e cultural de nossos pensadores. Inobstante, algumas emblemáticas obras, ao analisar a sociedade brasileira, têm trazido imensos contributos para que se possa compreender a formação da nossa cultura, quer ideologicamente ou não. Qualquer pessoa que estude, mesmopara medicina, ou para direito, pedagogia, ou arquitetura e engenharia (em quaisquer de suas modalidades), tem a obrigação de conhecer a formação de nosso povo: a sua origem, formação, o seu desenvolvimento e sua perspectiva para vencer os degraus do atraso. Enfim, ter ciência de nosso DNA cultural. Foram e continuam sendo importantes estudos feitos por Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Raimundo Faoro (Donos do Poder). Cito essas fundamentais obras. Mais recentemente, o sociólogo Jessé Souza, que nos tem premiado com vários estudos sociológicos, a exemplo de A tolice da inteligência brasileira, A ralé brasileira, tendo reeditado, por último, A elite do atraso, onde faz um exame percuciente da escravidão até o governo atual, com referência temáticaàs obras de Freyre, Sérgio Buarque e Faoro. Dela decorre uma leitura cativante e desafiadora, que também nos ajuda, no âmbito da sociologia e antropologia, conhecer o Brasil do passado, do presente e as possibilidades do seu futuro.
Jessé Souza sustenta que há na sociedade uma desigualdade ontológica e, para acentuá-la, uma motivação de apequenar no nosso povo, desaguando numa espécie de racismo culturalista. Por isso, diz Jessé, o homem é percebido como espírito, em oposição às mulheres, definidas como afeto Num sentido mais amplo, reitera: as classes superiores são as do espírito, do conhecimento valorizado, enquanto as classes trabalhadoras são do corpo, do trabalho braçal e muscular que a aproxima dos animais de tração. Esta, uma das razões de ter passado, sob os aplausos da elite, a recente “reforma trabalhista”, referendada como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em voto condutor do ministro Luiz Fux.
Findo o primeiro de maio, de comemoração do trabalhador (ou do trabalho), não gostaria que esta nossa conversa fosse tão amarga, em que pesem os rigores dos tempos atuais. Mas, deveríamos nos preocupar com o nosso destino. E no escopo dessa meta, preocupar-nos com a nossa história. O brasileiro não é muito chegado a devotar-se à história. A sua história, o que é pior. Jessé Souza tem uma frase definitiva no livro A elite do atraso. É a seguinte: “O presente não se explica sem passado.” Tenho eu sempre a vaidade de me devanear com a história-história, até porque o passado nunca é passado. Está sempre presente. Não podemos excluir do nosso mundo cognitivo filósofos e sociólogos, como Platão, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes, Adam Smith, John Rawls, Max Weber, Rousseau, Kant, Sartre, e tantos e tantos outros, porque alguém do alto do seu coturno, que nunca leu sequer a gostosa literatura de cordel, entenda que são conhecimentos de menor importância que não dão retorno imediato ao contribuinte. Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma rematada tolice.
* Membro da AML e AIL.
Comentários