Faz tempo. O que me chamou atenção foi o nome do filme: Um Homem, uma Mulher. E, tendo visto o filme, no velho e falecido Cine Éden, ficaram-me encravadas no meu inconsciente algumas cenas, que até os dias de hoje teimam em me provocar lembranças, ainda que turvas. Mas também recordo que fazia parte da trilha sonora uma música brasileira, de autoria Vinícius ("Quem pagará o enterro e as flores se eu me morrer de amores?") e Baden Powell. Foi um filme muito premiado, figurando como protagonistas a atriz Anouk Aimmé e o ator Jean-Louis Trintignant. Na direção, Claude Lelouch. Relata uma bela história de amor que envolve dois viúvos, que, em sucessivos encontros, apaixonam-se. Uma velha, porém aconchegante história de amor. Recebeu, entre os vários prêmios, o Oscar de melhor filme estrangeiro. Isso pelos idos de 1966. Na nebulosidade da lembrança, há uma passagem em que os dois personagens, numa cena idílica, conversam e fazem citação de Botticelli, famoso pintor florentino e renascentista. Recordo que, à época, comentei essa parte do filme com um amigo. Esse fato ficou no meu inconsciente e, durante todos esses anos, serve de ponto de referência para lembrar do filme.
À época da sua exibição e grande sucesso, as mulheres estavam ainda a dar passos, se bem que de largo alcance, para atravessar as fronteiras dos preconceitos restritivos e, por força da luta sem trégua, alcançar, de fato, a sua plena emancipação. Oito de março já era comemorado como o dia internacional da mulher, embora não tenha sido bem uma conquista, já que representa um reconhecimento, que marca a luta de mulheres operárias que, ao fazerem greve, numa fábrica de Nova Iorque, foram trancadas e mortas em um incêndio criminoso. A ONU, em 1975, oficializou a data comemorativa a esse dia.
A par disso, no curso da história, muitas foram as mulheres que se projetaram - Cleópatra, Joana D'Arc, Anita Garibaldi, rainha Vitória, Marie Curie, cientista polonesa, Nobel de Física, Indira Gandhi, Margaret Tatcher (ex-primeira ministra britânica, imortalizada em recente filme, com o título que a tornou famosa: A Dama de Ferro), Irmã Dulce e tantas e tantas outras - nos vários campos da atividade humana. Na política brasileira, as mulheres têm tido ativa participação na construção da nossa cidadania, desde Carlota Pereira de Queirós, a primeira deputada federal do Brasil, eleita em 1933. Luíza Erundina, que, em 1988, foi eleita prefeita da cidade de São Paulo, exercendo posteriormente o cargo de ministra de Estado. No Maranhão, Roseana Sarney foi a primeira governadora eleita no Brasil. E Dilma Rousseff, em pleito recente, a primeira presidenta eleita.
As mulheres têm avançado nas suas conquistas, passando a ocupar espaços que, antes, eram de exclusividade do homem. Os valores, na relação homem e mulher, vão se modificando, isso de forma bem acentuada, uma vez que a mulher, em que pese a proteção legal, já alcançou foro de absoluta independência. Tanto que li numa de nossas publicações uma notícia que atesta essa mudança. O título do texto jornalístico é: Mulheres querem um parceiro dono de casa. Vejam bem: parceiros donos de casa. Ressalta a matéria que "as mulheres que decidirem investir no sucesso de suas carreiras irão escolher o parceiro pela sua capacidade de apoiá-las nessa decisão e que podem até assumir o papel de donos de casa". Pois bem, essa é uma transformação cultural, adotada por outros países. As mulheres têm procurado se preparar para o enfrentamento dos desafios sociais, políticos e econômicos e, por isso mesmo, passam a ocupar posições de comando nas áreas de poder e de produção. A sociedade brasileira já se encontra nesse novo momento. No Maranhão, uma mulher chefia o governo; no executivo federal, uma presidenta detém o comando; além desses exemplos, outras mulheres ocupam cargos e funções em todos os segmentos públicos e privados. No Judiciário, os exemplos são materializadores dessa nova era. As mulheres são brilhantes advogadas, excelentes magistradas e eficientes e qualificadas promotoras de justiça. Atualmente o TRE/MA está sendo presidido por uma desembargadora, e o ministério público estadual é dirigido por uma procuradora. Os homens estão, como o velho fraco da Banda de Chico Buarque, à toa na vida, absortos, a verem, inertes, o tempo passar.
Não creio que as mulheres estão com pressa em efetivar essas conquistas, mas, convenhamos, estão ligeiras, contrariando a poesia de Alberto Caeiro, que nos traz essa mensagem: "Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua. / Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem. / Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento." Talvez os homens é que estejam sem pressa, parando, sonolentos. Mas, concordemos num ponto: as nossas queridíssimas mulheres têm feito muito para ocupar as posições que vêm conquistando. Outra verdade: o momento das mulheres vem de longe e chegou com todo o ímpeto; não há mais como resistir; aliás, resistir é impossível. Não é utopia de uma luta. A empregada doméstica, tão requisitada pelas antiguíssimas donas de casa, está em fase de extinção. De mensalista passou para diarista e fala-se em horista. Quem pode, pode; quem não pode, vai pra cozinha. Pois bem. Esse é apenas um dos aspectos das mudanças sociais e econômicas. De tudo isso resulta a minha grave preocupação: como ser dono de casa, no exato sentido de fazer a comida, lavar os pratos e as roupas, varrer a casa, tirar a poeira dos móveis, já que mal sei arrumar os meus livros. É verdade que, para amenizar os efeitos da força dessas mudanças, há máquinas que podem substituir o trabalho manual, cansativo e, enfatize-se, enfadonho. Mas que fazer, quando a máquina não puder suprir essa necessidade. A revolução que ora se apresenta é um fato inevitável. Ou a enfrentamos, ou capitulamos. São os novos tempos. Ou mudamos nós, ou sucumbimos. Não há alternativa. É ser ou não ser. Não sejamos machistas, mas otimistas com os novos ventos da modernidade.