Nós nos cansamos de muita coisa nesse mundo. Às vezes, não temos paciência de ficarmos cansados. Recolhemo-nos e passamos a ser prisioneiros de nós mesmos. Para os mais quietos, só resto o cansaço. Deixar-se vencer pelo cansaço. Para outros, o grito de revolta. Ou o grito do cansaço em tom de rebeldia. Grita-se, e o eco retumba como um trovão e atravessa como raio, de luminosidade incandescente, ofuscante, todas as paredes dos sentimentos, ainda que os mais duros, os mais fechados. Gritamos. Precisamos gritar. O silêncio nos sufoca, nos tira o ímpeto da revolta. É preciso, mais do que nunca no mundo, romper o silêncio. Falar do nosso cansaço de tudo, ou de tantas coisas.
Cansamos do sol, diz aquela turma que adora o frio da chuva. Cansamos da fila. Pra tudo tem fila!?, não é mesmo? Pra fazer o prato de comida. Pra sentar à mesa. Pra esperar a sobremesa. O cafezinho. Pra matar a fome. Pra curtir o ócio. Pra ser atendido no hospital, ou na emergência do pronto socorro, cheio de doentes espalhados pelo corredor. Pra pegar o ônibus no ponto da parada, ou na rodoviária. Pra chegar ao aeroporto. Pra chegar ao avião. Pra sentar numa daquelas estreitas e desconfortáveis cadeiras. Pra receber as malas, sob o olhar atento na esteira que custa trazer a nossa bagagem. Ah!, ainda tem a fila pra nascer, pra viver e, quando programado o fim, até mesmo pra morrer. Que cansaço!!! Haja revolta ou paciência para suportar tudo isso.
Gosto de Clarice, a nossa Lispector. Ela costuma dizer umas coisas que nos faz pensar e sair desse cansaço da espera de tudo. Lendo-a, deparei-me com essas afirmações bem clariceanas: – Quando o amor é grande demais torna-se inútil. E: – Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa. A primeira frase me fez lembrar João Mohana, quando esteve em Imperatriz, para dar palestras num encontro de casal, realizado no Juçara. Ele me dizia: – Amor em excesso estraga. Talvez porque o amor, diferente dos outros sentimentos, não sofra do vício de ser burguês. Ao contrário, antes como hoje, vem sofrendo um processo de vulgarização tão forte, que uma reles e insignificante atração interesseira passa a assumir foro de amor eterno, que Vinícius tão bem delimitou no espaço e no tempo do enquanto dure. Por isso mesmo, algumas pessoas amam em suaves prestações, como se amor fizesse parte de um carnê para pagamento mensal, sem garantia estendida e sem muitos atropelos. Há aqueles que amam tanto, com tanta facilidade, que chegam a desamar a prazo certo. O amor está cansado ou está cansando? Depende do amor. Nossos atores e atrizes de televisão e cinema são pródigos em amar. Amam tanto que, cansados de amar, morrem numa solidão como se estivessem num cárcere pagando pelo pecado de terem amado até o limite de todas as suas forças.
Luc Ferry, em A Revolução do Amor, com a ênfase dos crédulos, afirma, sem se atropelar em qualquer dúvida: – É amor que dá sentido a nossa existência. Nelson Rodrigues, que sempre ridicularizou o amor, com o fatalismo da traição, objetaria, com sarcasmo: – Pode ser! Pode ser! Pode ser!
O cansaço é tão extenuante que as pessoas já não se conversam. Apaixonam-se no celular e pelo celular, nas suas várias modalidades. O mercado é riquíssimo a esse respeito. Um dia desses, num dos nossos restaurantes, presenciei uma dessas nossas rotineiras cenas, que exemplificam o cansaço da convivência. Bem. Retifico. Não foi bem ainda à mesa. Foi no cansaço da espera da mesa. Na fila. Estava aquele grupo de familiares. Um bebia cerveja no celular. A outra conversava no celular. Um ria grotescamente no celular. E mais um quarto, renegando a solidão da convivência, passava uma mensagem pelo celular. Tinha-se uma cena típica da socialização do estar só, ao celular. Pois bem. Venceram a fila. Foram à mesa. Não sei se pediram a comida. Mas sei que estavam cada um no celular, em plena socialização do cansaço da convivência a quatro. Nenhum dizia uma mísera palavra, como se estivessem participando de uma cena de peça de teatro de surdos e mudos.
Não tenho dúvidas: é o cansaço da convivência. É o grito mudo, do cansaço de viver com o outro.
Volto a Clarice, para salvar-me desse sentimento que está sendo vulgarmente difundido e teima em, matreiramente, cercar-me. Clarice fala da comunicação muda e diz que “o que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem (o que não é o caso aqui), o que elas comunicam uma à outra é o sentimento da solidão”. Ainda bem. O cansaço de tudo conduz, paradoxalmente, à convivência de uma cruel solidão. Um dia, quem sabe, devem se cansar dessa solidão.
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