Aureliano Neto*

"Obsoleta e Excludente", este o título do editorial da Folha de São Paulo, publicado na edição de 7 de agosto, no caderno Opinião, p. A2. Exorta a Folha que a septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho seja radicalmente reformada. Ou seja: num discurso transverso, nas entrelinhas, seja extinta. Na concepção do editorial, uma das causas do desemprego são as normas protetivas e detalhistas da CLT, sob o argumento de que, "após anos de melhora quase contínua, o mercado degradou-se rapidamente (...) ao mesmo tempo, encolheu de 41 milhões para 39 milhões o número de assalariados com carteira assinada - os que desfrutam das garantias da septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)". E acrescenta: "O governo provisório de Michel Temer (PMDB) mede palavras e ambições ao anunciar o intento de modificar a lei e ampliar a possibilidade de negociações para reduzir salários e mudar as jornadas em troca da preservação de vagas." Sustenta ainda que os acordos coletivos não raros esbarram na CLT e nos tribunais, para ressaltar, referenciando as intenções reformistas de Temer, consideradas tímidas, que a CLT é a causadora do desemprego e de todas as mazelas vividas pelo trabalhador brasileiro.
O trabalhador brasileiro perdeu a sua representação política no Congresso. O PT vive um momento conturbado de legitimação, em que pese a resistência popular de Lula, que, nas pesquisas eleitorais, continua na preferência da sucessão presidencial.  Caminha-se para um brutal retrocesso nas conquistas sociais, marcadas e reconhecidas estas nos treze anos do governo petista, sobretudo o período em que o líder metalúrgico dirigiu o país. Esse reconhecimento é universal, tanto que o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, edição de 7 de agosto, p. A16, ao ser perguntado sobre a possibilidade de concessão de asilo político a Lula, respondeu: "O presidente Lula, a meu ver, foi um grande presidente do Brasil, uma referência para vários políticos. Muitas pessoas saíram da pobreza durante o seu governo, então acho que a história será muito gentil com ele." Há esse reconhecimento de que o governo do presidente Lula valorizou os mais vulneráveis ao capital especulativo, rentista, criando um mercado interno mais amplo e, como decorrência, uma nova classe consumidora de serviços e bens produzidos.
Lula tem sido alvo de uma brutal investigação, como nunca dantes ocorreu neste país, cuja finalidade óbvia é criminalizá-lo, condená-lo e prendê-lo, para, em definitivo, alijá-lo da disputa eleitoral, ou mesmo da vida politica. No TSE, o objetivo é a cassação do PT como partido. Com isso, a classe trabalhadora se encontra em absoluto desamparo. Propugna-se o retrocesso, abolindo-se as históricas conquistas sociais, garantidas constitucionalmente no capítulo dos direitos sociais, o qual consagra como normas fundamentais a proteção dos direitos do trabalhador urbano e rural. A direita descaradamente vem tomando conta da América Latina, da Europa, haja vista a França, e da América do Norte, com possibilidade de eleição do ultrarreacionário Donald Trump, que, se eleito, sabe Deus o que poderá acontecer ao mundo.
Se os trabalhadores não se conscientizarem de que devem manter-se unidos para defesa e garantia dos seus direitos, voltaremos aos tempos escravistas anteriores à septuagenária CLT, em que não havia salário, férias, jornada de trabalho, aviso prévio, além de outras conquistas consolidadas no curso de muita luta, asseguradas como normas fundamentais na Constituição de 1988. O presidente interino, que logo não o será mais (o Senado atual tem o mesmo espírito nazi-fascista que endeusou Hitler e Mussolini), pretende atender aos interesses do empresariado nacional e alienígena, sob o argumento de que a CLT se encontra carcomida pela antiguidade, gerando insegurança jurídica, "refletida - no dizer Almir Pazzianotto (em artigo publicado nO Imparcial, p. 7, em 10/7/2016) - em milhões de dissídios individuais, na morosidade de julgamento, nos valores desproporcionados de condenações". Mais ainda: "A hostilidade entre patrões e empregados não pode ser motivo de satisfação." E repete o argumento da Folha: "Mais de 12 milhões de desempregados bastam para mostrar a necessidade de se fazer algo em favor da segurança jurídica."
Meras falácias. Se a CLT é da época da locomotiva a lenha, do telefone de manivela, do ferro de passar roupa a carvão, no curso de sua vida, tem cumprido a sua finalidade de proteger o trabalhador, o mais vulnerável na relação laboral. Sempre atualizada na interpretação da Justiça do Trabalho. O que não se pode, no momento de fragilização da representação obreira, é alterar a legislação trabalhista, para atender a interesses globalizados de grupos econômicos, que manipulam o deslegitimado governo golpista.
Germano Siqueira, juiz presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em artigo publicado na Folha em 15 de julho, p. A3 (Oportunismo em tempo de crise), assim o conclui com veemência: "É preciso ter claro que a degradação dos direitos sociais não alavancará a economia; ao contrário, será a fonte de infortúnios e do aumento da desigualdade, o que deve ser combatido por todos." Sobretudo pelos trabalhadores.

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