Aureliano Neto*

De família abastada, com vínculo com o poder religioso e econômico, era um jovem irrequieto e cheio de sonhos. Estudara e formara-se médico. Lia os textos que registravam as palavras e lições dos profetas, a que só os iniciados tinham acesso. Certo dia, ao se defrontar com uma dessas mensagens, concluiu que o nascimento do rei estaria próximo. Uma estrela indicaria onde encontrá-lo. Esse homem, ainda jovem, se desfez de todo o seu patrimônio para, juntamente com outras pessoas, ir ao encontro do rei, que dizia ser o Messias, na iminência de nascer, para presenteá-lo com as joias mais preciosas que adquira com a venda dos seus recursos pessoais. Essa empreitada suscitou preocupação do seu pai, mas não ao ponto de dissuadi-lo. Apenas o aconselhou para que tomasse todos os cuidados, porquanto passaria a viver longe da proteção da família. Por isso, determinou o pai, como precaução, que um dos seus escravos de confiança o acompanhasse na viagem que estaria a fazer em busca do rei e, no retorno, lhe seria concedida a liberdade. Como condição: teria que retornar da peregrinação com o filho vivo.
Teve início a viagem. A longa viagem desse homem ainda moço, que o fez ao lado do dedicado escravo. Todo o percurso no deserto, estando sujeitos às intempéries de uma região inóspita. Caminharam para Jerusalém, já que tivera informação de que o rei nasceria nessa cidade. Engana-se. Um sábio o informou que, segundo o profeta Isaías, o rei nasceria em Belém. Embora desaconselhado pelo escravo, foi a Belém, vencendo as dificuldades que lhe eram impostas no escaldante deserto. Ao chegar a Belém, surpreendeu-se em saber que o rei que procurava havia nascido e tinha ido para o Egito. Mas a sua maior perplexidade fora saber que rei não nascera num palácio, mas num estábulo, numa manjedoura. Uma mulher que conhecera e também tinha tido um filho por essa época indicara a ele o lugar onde ocorrera o nascimento. Não desistiu e, embora com um pouco de decepção, não pelo nascimento, mas por não ter encontrado o rei, revolveu ir para o Egito. O escravo, que o chamava de mestre, conclama-o para retornar à casa dos pais, que o estão a esperar de braços abertos. Ele não desiste e segue para o Egito. Precisa levar ao Messias os presentes que trazia consigo.
Antes de pôr-se a caminho, surgiram soldados armados na cruel tarefa de matar as crianças recém-nascidas. E foram assassinando as que encontraram nas vielas ou no interior das casas. A mulher que dissera a ele onde nascera o rei se escondera na sua rústica morada, tendo no encalço um soldado, que empunhava a espada pronto para ferir de morte o seu filho, que se encontrava proteção dos seus frágeis braços. O peregrino não se conteve e foi em defesa do recém-nascido. Retirou do alforje uma das joias, presente que iria ser dado ao rei, e a ofertou para o militar em troca da vida da criança. Houve relutância por parte daquele que cumpria uma ordem imperial de matar todos os recém-nascidos daquela idade. Parou no ar o golpe fatal que iria ceifar a vida da criança. Aceitou a oferta, recebeu a pedra preciosa, de grande valor, e seguiu por outros caminhos, fazendo uso da espada e matando outras criancinhas.
O homem ainda moço, desfalcado de parte do patrimônio, deixou em segurança a mulher e filho e foi para o Egito. No caminho, foi atacado por salteadores e por eles aprisionado. Viu-se então numa colônia de leprosos, pessoas que viviam isoladas da sociedade e que sobreviviam praticando roubos em transeuntes que circulavam nas imediações onde se escondiam. Médico, o peregrino passou a tratar dos leprosos e teve devolvido as joias que lhe foram subtraídas. Passou a conviver com os doentes, ensinando-lhes que deveriam sobreviver por si mesmos e não através da prática de crimes. Organizou a comunidade dos leprosos. Teve que se desfazer de uma das joias com que iria presentear o rei, que até então não havia encontrado. Soube da morte do seu pai, homem rico, que falecera na miséria. Deu liberdade ao escravo que o acompanhava desde quando saíra da casa dos pais. Liberto, o ex-escravo fora até Jerusalém em companhia de um jovem leproso que ficara cego em razão da doença. Lá, ensinando pelas ruas da cidade, encontrara o Messias, que operou o milagre de fazer o cego enxergar. Retornaram e disseram ao peregrino que o rei que ele procurava era o Messias de Jerusalém que ensinava e curava, fazendo aleijado andar, cego ver e mortos ressuscitarem.
A busca chegara ao final. O peregrino fora ao encontro do rei, em Jerusalém, onde o Messias entrara publicamente ovacionado pela multidão, que "tomou ramos de palmeiras e saiu ao seu encontro, clamando: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor e o rei de Israel" (Jo 12:13-14). Esse dia foi celebrado anos depois como Domingo de Ramos. Porém, doente, o homem que vivera quase toda a sua vida, para encontrar o rei, veio a morrer quando o Messias morria na cruz. Ainda no estertor, o peregrino que se desfizera da última joia ao dá-la em pagamento para libertar a filha de um amigo da escravidão, tem uma visão da presença do rei que tanto procurara. E lhe disse: - Já não tenho mais os presentes que trouxera para lhe dar. O Messias lhe respondeu: - Não são mais necessários. Você já me deu tudo. O peregrino insistiu: - Como! se o estou encontrando agora. Nunca estive contigo antes. O Messias então lhe falou: - Quando eu estava com fome, me destes de comer; quando estava com sede, me destes de beber; quando estava nu, me vestistes; quando doente, me curastes. O homem não mais moço, já envelhecido e quase a morrer, redargüiu: - Mas eu o estou encontrando agora, nada lhe fiz. A resposta foi imediata: - Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que fizestes. E, antes de expirar, o peregrino teve a certeza que encontrara o rei, que tanto procurara. E mais certeza teve de que os presentes foram por Ele recebidos. Quedou a cabeça no colo do amigo e ex-escravo e prosseguiu a sua viagem para vida eterna.

aureliano_neto@zipmail.com.br