Risos, risos, risos pra festejar / Queixas e tristezas / Deixa pra lá / Risos, risos, risos pra festejar / Deixa de tristeza / Deixa eu te amar / Deixa, deixa eu te amar. Nesses versos dessa linda canção de autoria de Paulo Imperial e Fábio – seu grande amigo de venturas e desventuras – se encontra parcela da essência artística de Tim Maia, um dos maiores cantores e compositores da música popular brasileira. Morreu de viver a intensidade da vida. E viveu sem os limites do isso pode e aquilo não. Vivendo, encontrou-se e desencontrou-se. Integrou a geração dos talentos fenomenais, que surgiam no momento em que a música brasileira renovava-se. Tim Maia representou essa revolução, misturando a sua imensa criatividade, com letras poeticamente bem elaboradas e um swing diferente, que, além de sensibilizar pelo ritmo ora alucinante, ora meditado, não conseguia deixar quieto quem o ouvia. Transmitia sentimentos.
No inicio da carreira, Cassiano lhe dá Primavera, um dos seus grandes e inesquecíveis hits. Canção iluminada pelos deuses do Olimpo. Com um refrão que convida a eternizar o amor: “Quando o inverno chegar / Eu quero estar junto a ti / Pode o outono voltar / Eu quero estar junto a ti / Porque (é primavera) / Te amo (é primavera) / Te amo, meu amor.” A força do estribilho dá sustentação poética a essa música, que venceu o tempo: “Hoje o céu está tão lindo (vai chuva) / Hoje céu está tão lindo (vai chuva).” É, sem dúvida, a primavera que todos nós sonhamos, por isso o céu sempre tão lindo.
Tim Maia não foi um rebelde sem causa. Foi transgressor de um sistema que oprimia os grandes artistas. E ainda oprime. O lucro era regra. Infelizmente, continua sendo. Ele transgride esse sistema que explora o talento e tripudia sobre isso tudo. E disse: eu sou o talento, pronto, tenho dito, e dinheiro pra mim é pra gastar e não pra adorar. O talento de um artista não se submete à ditadura da responsabilidade. Ah, meu Deus!,artista responsável não é artista, é funcionário público, com direito a prêmio de bom comportamento. Criar é viver. É a própria vida transgredida na obra de arte. Tim Maia disse muito disso. Não foi compreendido. O artista não precisa nem carece ser compreendido. A sua obra é que deve ser compreendida, ou mesmo odiada. A obra é ele. Ou ele é a obra. Dalton Trevisan, esse grande escritor curitibano, vive recluso. Não dá entrevista, não fala com ninguém. A sua obra é a sua fala. E fala por si mesma.
Só Tim Maia daria à canção Eu Amo Você a interpretação definitiva. “Toda vez que eu olho / Toda vez que eu chamo / Toda vez que eu penso / Em lhe dar / Ah! Ah! (...) Eu amo você, menina / Eu amo você! / Eu amo você, menina / Uh! Uh! / Eu amo você!” Conclui com a transgressão de todas as regras: “Eu amo você! / Eu te amo! / Eu te amo!” O amor, nesta canção, dito com a intensidade demolidora, numa interpretação genial, supera todos os limites da racionalidade.
Foram excelentes canções. Vivi muitas delas. Azul da Cor do Mar: “Ah! / Se o mundo inteiro / Me pudesse ouvir / Tenho muito pra contar / Dizer que aprendi (...) Ver na vida algum motivo / Pra sonhar / Ter o sonho todo azul / Azul da cor do mar.” Versos que saltaram das entranhas de um artista, que, em Gostava Tanto de Você, diz toda a sua angústia do amor, misturado com a saudade da partida, o medo da solidão, e o pensamento voltado para o “você” – o amor fugidio. Nesse canto todas angústias: amores, perdas, partidas, solidão, medo do futuro. A arte manifestada em contradição com vida.A sua arte, a música que nos deixou, é sublimada pela criatividade e supera todos os conflitos existenciais. A arte não se reduz a um mero espelho da vida. É transgressão. Tim transgrediu todos os cânones, para fazer prevalecer a sua obra musical. Cristina. Réu Confesso. Coroné Antonio Bento (baião de João do Vale e Luiz Wanderley). Padre Cícero. Leva. Me Dê Motivo. E a canção que Roberto Carlos não cantou: Você. “Você / É mais do que sei / É mais que pensei / É mais que esperava / Baby (...) Sou feliz agora / Não, não vá embora / Não, não, não.” O rei deixou de ser mais rei. Tim Maia não precisou do rei. Construiu, destruiu e reconstruiu o seu reino de sonhos, e nos fez sonhar.
Edição Nº 15165
Tim Maia: Se o Mundo Inteiro me Pudesse Ouvir
Aureliano Neto
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