Não sou um homem moderno. Confesso: sou um quase moderno. Mas, dentro das minhas possibilidades, vivo a modernidade. Sem ser escravo da tecnologia, adaptei-me ao computador. Uso o celular, naquilo que se possa considerar o essencial. Ainda leio o livro de papel, fazendo as anotações nas páginas, na medida em que vou avançando na ânsia de chegar ao fim da leitura e dela retirar alguma coisa de útil ou não. Porém, admiro todos aqueles que estão perfeitamente adaptados aos novos tempos. Alguns deixaram de pensar. O computador tem resposta pra tudo. Pra que pensar?! Antes, quem pensava por muitos era a televisão. No mundo moderno, ou da pós-modernidade, é a internet. É o espaço da "mundanidade" do disse-me-disse: um mero boato passa a ter fundo de verdade. Mas, ainda assim, preservo-me, a meu ver, dessas impossibilidades de convivência. Vejo que as pessoas estão antenadas, ligadonas no mundo virtual. E em todos os momentos, e até mesmo nas parquíssimas reuniões "familiares". O papo correndo e cada uma, a seu modo, a latere, em permanente contato com o outro mundo, incessantemente recebendo e transmitindo mensagens, com a efusiva agilidade dos dedos a percorrerem aquele diminuto tecladinho.
Comprei recentemente um livro de crônica de Nélida Piñon (Ainda compro livro!). O título da obra é bem sugestivo: Até amanhã, outra vez. O fundamental: tem saborosas crônicas, abrangendo os mais variados assuntos. E, numa delas - Será que vale? - a escritora, ao referir-se às questões modernas, assim se manifesta: "Posso ser moderna, contemporânea, arcaica. Mulher que habita diversos mundos e épocas. Guardo, contudo, no coração irremovíveis perplexidades, zonas que protegem a integridade da alma. Não posso sair pelo mundo montada numa vassoura, como uma feiticeira, a pretexto de absorver modismos, inovações culturais desvinculadas do meu código de ético."
Em seguida, nessa crônica, Nélida Piñon traz uma notícia a respeito de uma mulher empresária bem sucedida, ressaltando que a matéria jornalística ocupava-se do cotidiano (muito comum nos cadernos especiais, de fim de semana) de uma brilhante e, como dito, bem sucedida executiva brasileira. Essa empresária torna-se mãe de gêmeos, após alguns anos de casamento. A cronista não diz, talvez porque a notícia não faça referência, se a gravidez decorreu do processo mais antigo que a humanidade conhece, ou se foi fruto de algum procedimento mais moderno. O certo é que a brilhante executiva se tornou mãe de gêmeos. E a grande indagação que buscava a reportagem era saber como a nova e moderna mãe, repleta de afazeres e de compromissos, estava conseguindo combinar essas suas obrigações de empresária bem sucedida, atuando num mercado competitivo, com a sua recém atividade de ser mãe de gêmeos.
Por não ser tão moderno, em vista da resposta, com forte viés dos tempos atuais, a perplexidade da cronista Nélida Piñon é também a minha. A sucedida e brilhante empresária, mãe de gêmeos, respondeu que as suas dificuldades para exercer a maternidade eram superadas pelas auxiliares que tinha em casa. E diz a cronista num arremate pungente: "A mãe, pressurosa em tranquilizar-nos, confessava reservar trinta minutos diários aos filhos. Cuidava de abrir diariamente espaço na sua agenda para dedicar-lhes aquele tempo assinalado, a ser igualmente divididos entre os gêmeos. A cada um cabendo quinze minutos. Tempo suficiente para aplacar seu amor materno e atender às carências dos filhos."
Não se tem a informação de que houve alguma consulta aos filhos sobre essa dedicação de quinze minutos diários para cada um deles, até porque, deduzo, ainda estavam bem pequeninos aos cuidados das auxiliares, que, recebendo, quem sabe, um bom salário, se desincumbiam da difícil tarefa de substituir a mãe de trinta minutos, matematicamente divididos.
De fato, para alguns, tempo é ouro, tempo é dinheiro. Não se pode perder com coisas supérfluas. Essa mãe moderna, pelo menos não ama ou educa os filhos através de tablet ou celular, como vem se constituindo numa rotina. Ao menos, como todo bom empresário, preocupada com os seus múltiplos afazeres, programa a sua agenda, sacrificando do seu tempo trinta minutos, para dividi-los no ato exíguo de amar e educar maternalmente os seus gêmeos. O resto, uma vez que tempo é dinheiro, fica por conta das auxiliares, pagas para o exercício de uma missão, que, algum tempo atrás, já fora por algum pedagogo dinossáurico considerada sublime. Mas diz o Eclesiastes que há tempo pra tudo. Enfim, há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, tempo de arrancar o que se plantou. Também há tempo para amar. Talvez não seja o tempo dessa mãe amar. Quem sabe, quando chegar o tempo, os gêmeos já estejam vivendo outra modernidade, sendo, na visão utilitarista, descartável a mãe de trinta minutos, e o tesouro acumulado pelo desamor passe a ser o fundamento de todo o amor material que, por motivos óbvios, não foi acumulado afetivamente. 

* Membro da  AML e AIL.