Os últimos acontecimentos nos colocam nessa tormentosa dúvida. Após o golpe do impeachment, que contribuiu para desnudar a máscara da corrupção da direita, Temer, o seu articulador, num dos trechos do seu discurso de usurpação, perante os seus embevecidos correligionários, verberou essa passagem, referindo-se a si mesmo: "Quando menos fosse, sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica." Tanto uma formação como a outra, paira a dúvida cruel: sê-lo-ia ou sê-lo-á? A história é tão atual. E assim, aproveitando esses dilacerantes sentimentos de incertezas sobre a sua probidade, no afã do momento, escreve um colunista da Folha de São Paulo que o nosso Michel "queria ser o presidente da 'ponte para o futuro'. Parece improvável. Sê-lo-ia, não fosse Jo-es-ley". Que pena! Ora, a Lava Jato, sem nenhuma dúvida, iniciou a sua necessária missão com a finalidade de expurgar o PT e Lula da vida pública. Poderia até mesmo ser rotulada de Lava PT. Mas vieram os efeitos colaterais. Na senda desses efeitos, a dramática e escabrosa conversa entre Temer e o dono da JBS, Joesley Batista, donde saíram afirmações não só comprometedoras, mas delituosas. Seguem uns pedacinhos da publicação integral da FS, de 22 de maio de 2017:
- Joesley: Me fala. Eh...
- Temer: Mas só esperar passar esse...
- Joesley: Queria te ouvir um pouco, presidente, como é que tá... como é que o senhor tá nessa situação toda aí do Eduardo (o Cunha), não sei o que...
- Temer: O Eduardo tentou me fustigar, né? Você viu que...
- Joesley: Eu não sei. Como é que está essa relação?
(...) E Joesley continua:
- É, eu queria falar assim, como tá aqui na... dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo, o... o que tinha de alguma pendência daqui pra li zerou, tal... liquidou tudo e ele foi firme em cima, ela já tava lá, veio, cobrou, tal, tal, tal, eu, pronto. Acelerei o passo e tirei da forca.
(...) - Eu tô de bem com o Eduardo.
- Temer: É. Tem que manter isso, viu?
Dedução cristalina: Joesley pagando o silêncio de Eduardo Cunha, réu condenado por corrupção e que - há evidências - recebeu propina para realizar o impeachment. Comprar o silêncio, eis a grande questão que emerge como crime de corrupção na gravação que abalou os alicerces da República e na delação premiada de Joesley, a qual envolve criminalmente Aécio Neves, essa figura travessa e patética, morta politicamente antes de matar a nossa frágil democracia.
Oscar Vilhena Vieira, jurista e colunista da FS, na edição de 27 de maio de 2017, no texto Concertação sim, acordão não, reduz Aécio ao seu tamanho inexpressivo, ao relacioná-lo ao avô Tancredo Neves, ora vivendo as dores espirituais pelas travessuras criminosas do neto: "Para uma democracia que foi plantada pelo movimento das Diretas-Já, nos anos 1980, retornar ao colégio eleitoral confirmará a nossa regressão. O fato de Aécio Neves ser um dos coveiros da democracia que seu avô ajudou a conceber é apenas uma tragédia familiar dentro do drama político maior que hoje vivemos."
Pouco adianta Temer vociferar que não renuncia, enfatizando falsas convicções, que só ele acredita: - Se quiserem me derrubem. Temer - e isso é fato irrefutável - não tem mais condições morais de ser presidente da República. Já está de fato derrubado. É a Maria Antonieta dos brioches. Não serve mais para os interesses empresariais. Será lançado na lata de lixo do esquecimento. Encontra-se no patíbulo, ajoelhado, na condição de corrupto, diferentemente de Maximilien Ropespierre, o incorruptível, que foi vítima dos excessos do terror revolucionário. As evidências refletem mais verdade que dúvida.
Janot, o investigador-mor, afirma: - Pois bem. Os irmãos Batista, em troca dos benefícios, relataram o pagamento de propina a quase 2.000 autoridades do país, apresentaram provas muito consistentes, contas no exterior, gravações de crimes e auxiliaram na realização de ação controlada pela polícia. Tudo isso só foi possível nos termos acordados. E enfatiza: - Há muitas outras provas que sustentam o acordo.
Nesse charco movediço, onde Temer tenta salvar-se, há mais coisas entre o céu e a terra do que possa imaginar a nossa vã filosofia. As investigações comprovam que a corrupção não é um monopólio da esquerda, como queriam os raivosos reacionários. Tem concreta participação da direita, encastelada nos altos escalões deste país desde 1.500. E a história não mente.
Se Temer sê-lo-ia ou sê-lo-á, deveria ao menos portar-se com civilidade e elegância, como modelo de bom corrupto, não se apropriando de parcela da propina (um milhão) em detrimento dos seus parceiros de suborno. Isso é feio. Quebra o código de ética, até mesmo de malfeitores.
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