Aureliano Neto*

Recebi um inusitado telefonema. Fiquei perplexo não com o telefonema em si mesmo, já que diariamente estou sempre assediado por telefonemas, se bem que poucos sabem o número do meu celular, meu tomento de todo o instante. Tanto que costumo dizer, com a ênfase daqueles que se sentem incomodados, que não nasci para celular. O celular foi que nasceu pra mim. E justo num momento em que preciso me adequar aos novos e exigentes costumes. Mas essa é a nossa relação nada amistosa. Tenho imensa saudade do telefone fixo, ora em fase de extinção. Alguns amigos, e quiçá inimigos, já dispensaram o uso do fixo. A onda é o celular, que no seu bojo traz toda uma parafernália de recursos técnicos, entre os quais, dizem os usurários, a transferência de recursos financeiros e pagamento de contas pela internet. Ainda assim, com todas essas vantagens, que fazem da vida um ócio solitário, mantenho-me um tanto alheio a essas novidades pós-modernas. Confesso: tou bem passadista.
Mas, volto ao inusitado telefonema. Quase o esqueço. Seria um desrespeito esquecê-lo e não compartilhar com os amigos. Tenho apreço pelos amigos. E vou contar. Toca o telefone, não o fixo, o indefectível celular. - Alô, digo, sem nenhum interesse de saber quem é. Do outro da linha e do oceano, vem a contundente resposta: - Sou eu o Papa! Como?!, pensei, de chofre, ora interrogativo, ora exclamativo: O Papa! Sem grandes intimidades, mas denotando a minha profunda perplexidade, indaguei: - Sua Santidade, o Papa?! O Francisco?! A resposta, sem maiores delongas, num português arrastado, com alguns erres a mais, foi afirmativa. Ante o espanto, a dúvida e surpresa, perguntei-lhe, mudando o tratamento sua por vossa: - Vossa Santidade está no Vaticano, no Brasil ou na Argentina? Num átimo, respondeu: - Aqui mesmo no Vaticano. Pensei: ainda bem, com tanta confusão por esta terra do pau-brasil, em que os infringentes têm sido o tema das conversas em todas as esquinas, bancas de jornais, noticiosos das mídias e, até mesmo, de nossa queridíssima empregada doméstica, que, por esses dias, me perguntou quem era esse infringente. Na dúvida de responder imediatamente, quis saber qual o motivo da indagação. Respondeu: - Tou curiosa. E acrescentou: - É que meu filho me perguntou se se tratava de algum sabão em pó. Aí não soube responder. Disse-lhe em resposta: - Dona Odete, deixe esse infringente pra lá. Não é nem sabão em pó e muito menos algum óleo de limpeza de pele. Trata-se apenas de infringentes que esse pessoal inventou para o tal de um recurso a ser usado por essa gente de Brasília. Confesso: fui curto, porém não grosso. Não fui além. Fiquei no aquém.
Volto ao Papa. A minha conversa telefônica com Sua Santidade teve pouca duração, até que pudesse satisfazer a sua curiosidade, provocada pelo fato que atravessou os oceanos, indo encontrá-lo no aconchego do sacrossanto lar no Vaticano. Quis o Papa Francisco saber a respeito dos infringentes. Antes de responder, pensei cá comigo, como não poderia ser de outro modo: Que santa curiosidade! O diabo desses infringentes não só aperreou o ministro Celso de Melo, mas andou perturbando muita gente boa. Inclusive a santa curiosidade do Papa Francisco. Expliquei-lhe, sem grandes aprofundamentos teóricos, do que se tratavam os tais infringentes. E logo concluí: - Santidade, isso é coisa desse pessoal de Brasília. Dizem que se refere a um recurso de um pessoal que está sendo processado pelo nosso Supremo Tribunal. E ele, o Papa: - Quer dizer que eles infringiram e ainda vão ter o direito de usar os infringentes. Vão infringir duas vezes, sapecou ao telefone essa última frase, sem um pingo de humor, dando ênfase ao caráter de duplicidade da infringência. Na minha não menos santa ignorância com esse excesso de infringência, apenas acrescentei: - Deve ser isso mesmo, Sua Santidade. Mas o Brasil o espera, acrescentei, em outra visita como aquela que o Senhor nos fez. Olha - e aí fui para intimidade - o Senhor deixou imensa saudade. Em seguida, sem grandes salamaleques verbais, o telefone foi desligado. Voltei à minha momentânea solidão doméstica, logo perturbada por outra chamada do celular. Dessa vez, não era o Papa.
Logo, vim saber que o Papa está mantendo contato por telefone com os fiéis. E isso tem criado problemas não para ele, que é Papa, mas para o Vaticano, que tem o dever e a obrigação de cuidar do Papa. É o que dizem. Não sei se é verdade. Contaram-me que o Papa pegou a mania do uso do celular. Telefonou para confortar uma mulher italiana, grávida. O seu namorado, casado, havia pressionado para que ela fizesse aborto. A italiana não aceitou a proposta. Agredia as suas convicções religiosas. Escreveu para o Papa. Sua Santidade Francisco não deixou por menos. Pegou do celular e ligou para a mulher, confortando-a na sua resistência contra a pretensão abortiva do seu namorado, repita-se, casado. No telefonema, o Papa se colocou à disposição para fazer o batismo do bebê, quando nascesse. Pelo que se vê, o Papa Francisco, de telefonema em telefonema, vai se comunicando com os fiéis, estabelecendo uma nova modalidade de relacionamento com pessoas que precisam de palavras de conforto. O Vaticano, não sei por que cargas dágua, não tem gostado. Mas eu, que pouco ligo para esses enfados burocráticos, estou achando sensacional. Que diga a mulher, vítima de estupro, na Argentina, que recebeu o conforto dos aconselhamentos papais de que deveria ter fé na Justiça. Em que pesem os tão falados infringentes, que nada têm a ver com isso, ela, a Justiça, tarda, mas sempre chega. É só ter a paciência de aguardar, nem que seja um telefonema de Francisco.

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