Aureliano Neto*

Conheci-o em 1975, logo que cheguei a esta prazerosa cidade. Seria uma grosseria preconceituosa afirmar que era um preto de alma branca. Não. Dizer isso é estupidez. Era um ser humano, acima de todos os conceitos e preconceitos, extremamente humano. Um grande amigo. De fala ponderada, a exercer um diálogo manso, mas reflexivo. A ele fui apresentado por outro grande amigo, o Dr. Edivaldo Cunha Amorim. Lembro bem. Foi numa tarde, dessas próprias de Imperatriz. Ensolarada e quente. O jornal O PROGRESSO, que ele criara como a profetizar o progresso desta cidade, tinha as suas oficinas na Praça da Cultura. Fui levado até lá pelo Dr. Edivaldo, para ser apresentado aos responsáveis pelo jornal e com eles conversar sobre a possibilidade de, quem sabe, colaborar com algum texto. Dr. Edivaldo fora meu companheiro de república no Rio de Janeiro. Fomos albergados, para fazer os nossos estudos, na Casa do Estudante Universitário, conhecida pela sigla CEU, localizada na Rua Visconde de Maranguape, na Lapa, nas proximidades dos Arcos. Lá, morando com outros estudantes, originários de outros estados, concluímos o curso de Direito. Certo dia, despedimo-nos. Eu fiquei no Rio, e o Dr. Edivaldo voltou para o Maranhão. Por uma dessas coisas do destino, vim parar em Imperatriz, como advogado do INCRA. Era o início de 1975. Aqui o encontrei, casado com a Dra. Helena Amorim e exercendo a função de procurador do município. Receberam-me com muito carinho e a solidariedade que é característica indelével desse casal. Solteiro, um tanto largado, algumas vezes, participei da afetuosidade de sua mesa. A solidão era preenchida por boas conversas. O passado, sempre insistente, não morre. A lembrança o faz eterno.
Fomos à sede do jornal, misto de redação e oficina, e Dr. Edivaldo me apresentou a José Matos Vieira e a Jurivê de Macedo. Conversamos trivialidades diversas. Coloquei-me à disposição para colaborar com a produção de algum texto. O que foi aceito. Surgiu então a coluna Crônica da Cidade, que escrevi seguidamente durante mais de três anos, até mesmo depois que o jornal passou para Sergio Godinho e Agostinho Noleto, continuando na editoria Jurivê, mas tendo a orientação de Moreira Serra. O jornal sempre teve uma forte influência nos destinos de Imperatriz. A coluna de Jurívê (Comentando) era leitura obrigatória. José Edilson fazia a parte social, enquanto Viegas, o nosso queridíssimo Dr. Clemente Barros Viegas, editava a sua lindíssima Visão Geral. E Edmilson Franco (Ed Franco) fazia um texto de conteúdo imensamente poético. O PROGRESSO acontecia e fazia acontecer. Exercíamos os nossos textos com total liberdade.
Vieira transformou a sua utopia em realidade. Dos sonhos e das dificuldades de sonhar, construiu este monumento da liberdade, representado por essa força informativa que é O PROGRESSO - a expressão regional deste povo libertário, que precisava de uma voz que clamasse pelas suas carências. Só mesmo Vieira, um empreendedor de ideais, aliado a Jurivê, seria capaz de fazer surgir esse clamor em páginas que têm feito a história desta região. Um homem de uma profunda e vasta cultura humanística, que, para alcançar esse enlevo transcendental, não precisou do título de doutor. Culturalmente, um sábio. Conhecedor do seu povo. Das virtudes e mazelas de sua gente. Essa é a visão pessoal que me fica, extraída dos nossos encontros, a modelar na minha consciência a forte imagem desse grande homem.
Em 1982, como um D. Quixote, que precisa realizar sonhos e que se impõe a necessidade de construir as utopias, pugnando pela prevalência dos valores republicanos e com a única finalidade de lutar pelas instituições democráticas, saiu candidato a prefeito desta cidade que o acolheu e que amou desvairadamente. Uma candidatura ética, já que despida de qualquer interesse que não fosse o de forjar uma sociedade justa, humana, liberta, democrática e sustentada pelo credo da igualdade. O seu discurso tinha essa dimensão. Lembro do comício da Praça Tiradentes. Infelizmente falaram mais alto os interesses amesquinhados pela mera luta pelo poder. O seu companheiro de sublegenda não percebeu aquele momento histórico, em que a partir dele se poderia construir um novo Maranhão, com a força libertária e inovadora de Imperatriz. O grande passo não foi dado. E a história afirmará esse fato: a luta empreendida por José Matos Vieira e seus amigos, em que sacrificou a si, a sua família e os seus negócios, no escopo de que se fincassem em definitivo as pilastras emancipatórias de Imperatriz.
O encantamento de José Matos Vieira, possuidor de imensa história cívica, nos deixa uma saudade tão doída, tão sentida, que nos exorta a questionar o quanto é cruel esse ponto final, que fixa o limite de chegada e de partida de todos nós. Mantive com Vieira, durante todo esse curto espaço de tempo, uma relação de respeito e amizade. Percebia a reciprocidade do seu sentimento. Dizem que de quatro sentimentos não escapamos: nascer, envelhecer, adoecer e morrer. Constituem a nossa inevitável trajetória. Há aqueles que vivem em 91 anos um curtíssimo tempo de vida, e ninguém os percebe. Outros fazem da vida a história longa do bem viver. José Matos Vieira se encontra no rol dos que transformaram os 91 de vida em séculos de toda uma existência. Disso não tenho dúvida. Derramo nesta página as minhas lágrimas de saudade desse amigo que, malgrado os 91 anos de vida, tão cedo nos deixou.

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