Este verso de Fernando Pessoa me vem à alma, provocativo, todas as vezes que me ocorre a partida de um amigo. E muito mais ainda porque não é apenas um amigo, mas dois amigos, com os quais tive a humana e venturosa possibilidade, na passagem por esta finita dimensão, de com eles conviver. "'Stou só e sonho saudade." Nessa poética frase pessoana está todo um sentimento de vazio. Com a partida dos amigos para o encontro com o eterno, ficamos nós na solidão desta existência terrena e transitória. Creio que, por isso mesmo, certa vez perguntaram a Oscar Niemeyer o que é a vida. Ele, sem deixar transparecer qualquer dúvida, do alto da experiência dos seus cento e cinco anos, respondeu: - A vida é um sopro.
Talvez, quem sabe, tudo seja um sopro em termos de temporalidade. Nós passamos. Mas a vida é um conjunto de viver, de sofrer, de amizades, de realizações, de frustrações, de ações, de omissões, de amores, de paixões, de ressentimentos, para quem os acumula, como se estivesse a depositar dia a dia sua riqueza transitória nos caixas de nossos bancos, para que o gerente obsequioso administre as nossas mágoas, adquiridas nas atribulações da inevitável convivência.
Ultimamente, alguns amigos têm tido essa mania de se despedir. De uma hora para outra, recebo a notícia de sua partida. Sem aviso prévio. Parece até que um desejo de estar só. Não nos mandam nem um bilhetinho. Ainda sou do tempo do bilhetinho. Sei que alguns pegaram o hábito moderno de se comunicar por e-mail. E eu lhes digo sempre: prefiro a moda antiga. Um bilhetinho, por favor! Leio-os com muita atenção. Letras miúdas, de alguns. Pontuação adequada. A frase precisa e repleta de sentimentos, a nos dizer do quanto se sentem felizes naquele breve momento que nos falam do amor, da amizade, do carinho, de compartilhar da sua vida, naquilo que ela tem de mais saborosa.
Dois amigos partiram, sem que tivessem o cuidado de mandar um aviso, ainda que um breve comunicado. Adalberto Franklin não podia ter feito isso. Ele bem sabe disso. O último encontro que tivemos foi na Academia Imperatrizense de Letras. Lá ele estava, sentado no lugar de sempre. Com o leve sorriso nos lábios. Intelectual, como sempre. Sonhador. Um homem que sonhava e construía sonhos. Falava aos cântaros dos seus projetos de fazer a história contemporânea de Imperatriz. Leitor voraz. Escritor dedicado. Jornalista, que o conheci quando ele foi editor do jornal O PROGRESSO. Um jornalista de grande qualidade de texto. Preciso, claro, e com substancioso conhecimento a respeito do que escrevia. Mas, sobretudo, um ser humano invejável. Simples. E pessoano na dimensão dos primeiros versos de Tabacaria: Não sou nada / Nunca serei nada / Não posse querer ser nada / À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Era assim. Adalberto tinha todos esses sonhos do mundo. Sonhava e vivia esses sonhos.
Com Adalberto Franklin, participei de muitos sonhos. Foi meu editor. Dedicado editor, sem ter a preocupação argentária do lucro. Apenas ajudando-nos a construir os nossos sonhos de fazer da vida um cantinho de felicidade. Com ele, estive no jornal O PROGRESSO, quando fora editor. Tivemos participação ativa no movimento de Cursilho da Cristandade. Época em que havia um grupo de homens e mulheres que se dedicavam arduamente à missão de evangelizar. Adalberto era um dos participantes ao lado da sua família. Sempre teve tempo para dedicar-se a esse exigente sacerdócio de viver. Dizia-se então: tempo é questão de preferência. E o tempo de Adalberto estava sempre disponível aos amigos. Era eminentemente um socialista, no verdadeiro sentido marxista, sem a mínima preocupação com ânsia de ganhar dinheiro. A ganância que hoje, como um vírus destrutivo, empesta o mundo. Preferia acumular a riqueza das amizades.
Pois é, Adalberto, 'stou só e sonho saudade'. Tua partida, amigo, me deixa esse sentimento de não poder ver-te e ouvir-te mais. Que saudade!
O outro amigo que partiu, logo depois de Adalberto, vocês não o conhecem, ou poucos o conhecem. Mas o nome é muito familiar em Imperatriz. Foi Pancrécio. Sei apenas que o seu nome é Pancrécio. Isso é suficiente. Convivemos na Igreja. Nos encontros do tríduo do Cursilho da Cristandade, Pancrécio era um dos dedicados dirigentes e encarregado de fazer a palestra (rollo) sobre o tema Esperança. Ah!, era algo inusitado. Deus, na Sua divina sabedoria, o iluminava. Quem estivesse dormindo, acabrunhado, ou sem ânimo, naqueles trinta minutos de exposição, despertava, em face da maneira agradável, hilário e de muita fé como Pancrécio fazia a exposição do tema. Naquele exato instante, o Cursilho despertava para a sua espiritualidade. Pancrécio tinha o dom divino de, a partir de sua simplicidade, cativar a todos os cursilhistas. Deus o tenha! Panccrécio, fica a minha saudade dos velhos tempos e de saber que estás bem nessa tua chegada ao reino de Deus. Por teres a sabedoria dos mais velhos, recebe o nosso amigo Adalberto e o guia para o encontro final com o Pai. Saudade!