Ensina a máxima jurídica, popularizada aos quatro cantos, que decisão judicial não se discute, cumpre-se. Ou ainda: o juiz só fala nos autos. Tanto a primeira sentença como a segunda só têm validade (e olha lá, hem?) para os juízes das instâncias inferiores. Os ministros do Supremo Tribunal Federal não contam. Na primeira hipótese, o STF sempre dá a última palavra. O que diz está dito. E acabou-se. Suas decisões são absolutamente definitivas. Sempre que provocado em ações e recurso constitucionais de sua competência jurisdicional, pronuncia-se. Às vezes, dependendo dos interesses em conflito, avança em temas em que o exercício de sua competência é discutível. Mas, ainda assim, o STF, no Estado democrático de direito vivido no Brasil, dá a sua última palavra. Na segunda hipótese, o que se tem de ministro da Suprema Corte falando e participando de reuniões com políticos, ou seja: no trivial, fazendo política, é algo rotineiro. E preocupante. Basta, sem qualquer isenção, acompanhar o noticiário de nossos jornais e outras mídias no dia a dia. Bem. Os autos servem para o ministro, além de neles falar, fazer prevalecer a sua vocação ideológica manifestada fora deles.
Trata-se de uma verdade tão corriqueira, que, em 13 de setembro de 2015, o ministro presidente do STF Ricardo Lewandowski resolveu falar, numa alerta doutrinária, como se estivesse a ensinar Pai e Nosso a vigário, num texto publicado na Folha de São Paulo, p. A3, Opinião (Judicatura e dever de recato), em que destaca que “a verbosidade de integrantes do Poder Judiciário, fora dos limites processuais, de há muito é tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a função exige”. No decorrer, o ministro Lewandowski enfatiza que “por mais poder que detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do sopro legitimador do sufrágio popular” e “em países civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto, secreto e universal e periódico”. E conclui: “Por isso, posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia.”
Tudo isso é verdade. E preocupa muito, quando nos deparamos com algum ministro do STF, ou qualquer outro magistrado, falando fora dos autos e manifestando com arroubo condenatório prévio a sua ideologia política.
O jurista Oscar Vilhena Vieira, citando nomes, tem exposto na Folha (Reputação judicial, em 23.01.2016, e Quando a Justiça falha, em 30.01.2016) essa situação de risco, aventada no texto do ministro Lewandowski, acentuando que a Justiça “falha por se considerar infalível, por não se manter equidistante e por se levar pelo embalo simpático da opinião pública. Falha porque é preconceituosa, insensível, às vezes tosca, e não escuta o que o suspeito tem a dizer”. Indubitavelmente, isso é muito grave. Sobretudo se a falha é do Supremo Tribunal Federal.
Por essas e por outras razões historicamente do conhecimento de qualquer cidadão minimamente informado, é que tramita no Congresso Nacional uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 35/2015), que, entre outras alterações relevantes, pretende limitar o tempo de atuação do ministro no STF, fixando o mandato em 10 anos e alterando a regra de escolha do parágrafo único do art. 101 da Constituição Federal (nomeação pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal).
O PEC é pertinente. Sofrerá algumas alterações, quanto, por exemplo, à composição do colegiado que formará a lista tríplice. A inovação é o limite do tempo do exercício da atividade do ministro em dez anos. É um arejamento enriquecedor na construção do Direito Constitucional menos politizado. Outro aspecto, ainda mais essencial: despatrimonializa a vitaliciedade, que atualmente é eterna enquanto dura o seu titular. Que isso quer dizer? O ministro que já se encontra há décadas no cargo e na função tem consciência, mais do que ninguém, de que é intocável, e, embora num colegiado, passa a ser ditador de suas opiniões em detrimento de outros interesses, muitas vezes mais legítimos. O que deve prevalecer não é o ministro e sua ideologia, mas precipuamente a guarda da Constituição da República.
Comentários