Em algum lugar deste planeta, já disseram que o poder é o resultado de um acirrado embate, de uma guerra, que só se arrefece, de modo transitório, quando sai um vencedor. Também se tem dito que a política é uma guerra contínua, em que os inimigos se fazem amigos de ocasião e os amigos se transformam em inimigos viscerais. Nessa guerra sem trégua, atira-se (pelas costas), mente-se, engana-se, solapa-se e trai-se, contanto que se consigo abater o adversário, deixando-o em sangue estirado no chão. Enfim, um derrotado sem eira nem beira, até a próxima batalha. Na política, que é a extensão da luta pelo poder, o perdedor não admite a derrota, a não ser quando cumprimenta “civilizadamente” o vencedor para enganar os otários, que assistem e aplaudem o gesto ou choram a derrota. Na política, o que hoje é bom, amanhã não é mais. Querem um exemplo do nosso tempo? Dou-o: a CPMF foi muita boa, por ser insonegável, no governo de FHC. Foi retirada no governo Lula, e hoje é o monstro a atormentar o bolso do contribuinte endinheirado. Na política, quem pode, pode. Quem não pode, se rebenta. É a infalível regra, como resultado da luta permanente pela conquista do poder. Nunca será diferente, embora traga consigo, queira ou não o vencedor, imensas responsabilidades, sendo da essência de qualquer poder, até o do porteiro de uma fábrica de tecido.

Trato desse assunto nesse espaço em razão de o Supremo Tribunal Federal ter votado agora, por esses dias (17/8), a ação direta de inconstitucionalidade (n. 4.650), que proibiu, por considerar inconstitucional, o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Ou seja: a participação de pessoas jurídicas na distribuição de dinheiro para financiar candidaturas e partidos nos pleitos eleitorais. O placar de acolhimento da ADin foi de 8 a 3. Essa ação, para que melhor se compreenda historicamente o seu sentido, foi ajuizada no mês de setembro de 2011, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para contestar dispositivos da lei dos partidos políticos e das eleições, que autorizam a doação de recursos financeiros, ou similares, de pessoas físicas ou jurídicas para campanhas eleitorais de partidos políticos e candidatos. O seu julgamento foi iniciado em dezembro de 2013 e finalizado em setembro de 2015. Só o pedido de vista (um verdadeiro veto, muito criticado pela classe jurídica e pela cidadania esclarecida) do Ministro Gilmar durou 526 dias, porquanto Sua Excelência fez o pedido em abril de 2014, vindo a liberar o seu voto no dia 10 de setembro de 2015, manifestando-se por cerca de cinco horas. Segundo o site Migalhas, o Ministro Gilmar deu um voto político, tecendo severas críticas ao governo, “mais precisamente ao PT”, e, no seu raciocínio, “em apertada síntese, o PT teria enchido a sua burra, e usado a OAB para propor a ação contra os financiamentos privados de campanha, de modo que só ele tivesse dinheiro para as eleições vindouras, perpetuando-se, assim, no poder”. Ou seja: a OAB propôs a ação “com a finalidade de também manipular a mais alta Corte de Justiça brasileira”. De passagem, envolveu o Ministro Luís Roberto Barroso, à época professor da UERJ, que teria, nessa condição, manipulado a OAB, com a participação da Universidade do Rio de Janeiro. E trouxe ainda para o centro do seu discurso a Operação Lava Jato, cujos delitos por ela investigados vieram a lume muito tempo depois do ajuizamento da ação de inconstitucionalidade.
O voto do Ministro Gilmar Mendes, embora proferido com absoluta veemência política, não alterou em nada o posicionamento da Corte para declarar a inconstitucionalidade do financiamento de campanha eleitoral por pessoas jurídicas, mantendo apenas o de pessoas naturais. O que, acentue-se, é salutar para o exercício da democracia. Tanto que, em seu voto de acolhimento da ação, o Ministro Marco Aurélio ressaltou que “a premissa principal desta ação deve ser a de que o cidadão brasileiro tem o direito fundamental a um sistema político verdadeiramente democrático. Democracia não é apenas o regime político mais adequado entre tantos outros, é um direito do cidadão fundado nos valores da soberania popular e autogoverno”. E disse mais: “...deve-se evitar que a riqueza tenha o controle do processo eleitoral em detrimento de todos os valores constitucionais compartilhados pela sociedade”. Outros ministros seguiram essa linha de entendimento, votando pela inconstitucionalidade do financiamento, como a Ministra Cármen Lúcia, que acentuou haver uma influência contrária à Constituição, que desiguala não apenas os candidatos, mas os partidos políticos.
A OAB e a UERJ não ficaram no silêncio e repudiaram, através de notas de desagravo e esclarecimento, as agressões do Ministro Gilmar no seu voto. Já a defesa do Ministro Roberto Barroso foi feita pelo Ministro Luiz Fux, que rejeitou com veemência a insinuação de que tenha havido uma “conspirata”, acentuando que “algumas suposições (...) foram absolutamente equivocadas”. E pilheriou: “O Ministro Gilmar, quando descobre a pólvora, faz uma bomba atômica.” Ainda bem que não prevaleceram a posição política e o autoritarismo dogmático de Gilmar Mendes. Por enquanto, estamos livres desse câncer da corrupção, cuja célula desagregadora é o financiamento de campanhas políticas patrocinados por empresas. Ainda bem.