Estou açodadamente lendo um jornal, datado de 17 do mês de setembro, bem na proximidade das eleições que, em redundância, já batem as nossas portas. O jornal afirma que o Sr. Guedes, ou melhor, Paulo Guedes se beneficiou com fraude de uma corretora. Não quis crer no que estava lendo, até porque as fake news estão dominando as intrigas eleitorais. O cocoroca passa a gozar de uma saúde de Mister Universo, e o novo, ou nova, a depender de quem é candidato, vive o desânimo de um velho caquético. O ladrão notório, que conseguiu construir um patrimônio daqueles de dar inveja a qualquer insignificante faraó que inadvertidamente resolvesse sair do seu túmulo e viesse nos fazer uma rápida visita nesses atropelados dias de hoje, passa a ser cativado pelos seus áulicos de honesto, a fazer inveja ao jacobino Robespierre, considerado incorruptível pelos revolucionários franceses. Ainda assim, não tendo escapado da guilhotina.
Sr. Guedes, ou, como o chamam na intimidade, Paulo Guedes, nada tenho a ver com a sua vida. E muito menos se Vossa Excelência se beneficiou ou foi um dos beneficiários com a fraude que causou prejuízos à fundação responsável pela gestão da aposentadoria dos funcionários do BNDES, a Papes. A mim e ao meu vizinho, de rosto enrugado, cabelos embranquecidos, passos trôpegos, que pretende - e ele sempre acentua enfaticamente - se aposentar, antes de morrer. Aí, Sr. Guedes, independentemente dessas tramoias, o meu vizinho enfatiza: - Ih!, sô parece que não vai dar certo, lá vem um tal de Guedes por aí. E esse sofrimento antecipado me faz tecer mil explicações para esse meu preocupado vizinho, que sempre faz questão de enfatizar que quer se aposentar antes de morrer. Do trabalho vem pra casa. De casa vai todos os dias para o sindicato. Vive a reclamar: as pernas doem, a vista não é a mesma, os ouvidos estão fraquejando. E arqueja, repetindo como um estribilho de dor antecipada: - E lá se vem esse Guedes. Sabe, Sr. Guedes, fale com o seu chefe. Ele até que tem sido comedido ultimamente. Também, sem que se queira institucionalizar a violência, esse tal de Adélio Bispo (não sei de que igreja, pois a gente sabe que há bispo pra todos os gostos) resolveu dar vazão à fantasia de quem tem como teoria combater a violência pela violência.
Mas isso é outro assunto, Sr. Guedes. Além dessa história de cima, que, digo-lhe com sinceridade, não me convenceu, andaram divulgando pelas nossas folhas diárias e nas chamadas redes sociais (que de social, diga-se, só tem o adjetivo, e besta é quem acredita na socialidade dessas redes) que o Sr. iria socializar a cobrança de tributos. Tive dificuldade de explicar para o meu vizinho essa sua socialização tributária. No mesmo jornal, deparei-me com uma charge. A charge, para ter graça, só vendo. É do mesmo jornal, do dia 20 de setembro. Parece-me que o nome do chargista é Benett ou Renett. Levei a charge ao meu vizinho, já um tanto acabrunhado com tantas notícias desagradáveis para o seu lado de futuro aposentado, antes de morrer. Ele olhou, abrindo bem os olhos interrogativos. Disse-lhe: - Repara bem que isso é coisa do Sr. Guedes. Procurei definir-lhe o sentido da charge. A dita cuja tinha um título: Cada um com seus valores. Na primeira tira, consta: Risco de golpe militar. Resposta do patrão do vizinho: Tudo bem. Acontece. Segunda tira: Risco de nova Constituição só com "notáveis". Resposta do dono da Riachuelo, um dos patrões do vizinho: Normal. Faz parte. Na terceira tira: Volta a CPMF. Resposta em coro dos patrões do vizinho: Meu Deus! Que perigo!! Que ameaça!!! E o vizinho até hoje continua sem entender que, quando se mexe no bolso dos patrões, é um Deus nos acuda.
Ah!, Sr. Guedes, o seu patrão anda um tanto ressabiado com essas extravagâncias vernaculares, tanto que, temeroso, procurou defendê-lo. E, segundo o seu patrão, o Sr. nunca pregou a volta da CPMF, ou melhor explicando, do imposto do cheque, criado no malfadado governo de Fernando Henrique Cardoso e decapitado por manobra de Paulo Skaf, da Fiesp, em pleno governo Lula. Em razão disso tudo, e eu, particularmente, não concordo com isso, já o apelidam de posto Ipiranga. Tem de tudo, até essas ideias extravagantes, de entregar o Brasil para os grupos econômicos estrangeiros.
Sr. Guedes, independentemente dessa história de beneficiar-se com fraude de corretora, dizem as boas línguas que o Sr. é um homem rico, o que leva à conclusão óbvia de que não precisará de propina e muito menos de apropriar-se da poupança dos pobres e sofridos brasileiros. Mas é bom lembrar o passado. Afirmam os filósofos que o passado é a salvaguarda do presente. Nós, velhos timoneiros, caminhamos para o futuro com os pés firmes no presente e de olho no passado, onde aprendemos que nem sempre o futuro será aquilo que sonhamos. Em 1989, naquela célebre eleição presidencial, eu estive ao lado de Covas. Não esse novo Covas, de São Paulo, que está bem distante de Mário Covas, um liberal-socialista, que pregava, num cativante discurso, o choque do capitalismo. O povo, com a manobra sempre golpista da rede Globo (lembram-se do debate entre Lula e Collor), preferiu as bravatas de Fernando Collor e a conversa-fiada da "professora" e "grande" economista Zélia Cardoso de Mello. Demos com os burros n'água. Efeito colateral: sequestro da poupança, sobretudo das economias dos mais pobres. Os ricos sabiam de tudo, tiraram o seu dinheiro e transferiram para as bancas internacionais. Pois é, Sr. Guedes, ando apreensivo, não com a CPMF, mas com o desemprego que cada vez mais se alastra, com a precarização dos direitos trabalhistas, com a venda do Brasil para o capital estrangeiro, com o golpe, travestido de democracia e com a gravidade de uma Constituição feita por "notáveis". E o pior, Sr. Guedes, é que sempre aprecem os "notáveis", como ocorreu com os AI-1, AI-2, AI-3, AI-4 e AI-5 e etc. e etc. e etc. Quero ver, Sr. Guedes, se aparece algum para descobrir quem matou ou mandou matar Marielle Franco. Ficaria menos desconfiado.
* Membro da AML e AIL.
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