Todos sonhamos, ainda que acordados, mas sonhamos. Mesmo que os sonhos sejam pesadelos, são infelizmente sonhos. Vivemos e sonhamos. Sem trégua. Muitas vezes sonhamos mais que vivemos. E os sonhos podem ou não se realizar, na mesma medida em que sonhamos. Se não se realizam, azar de quem sonha. Quando se realizam, na proporção dos sonhos sonhados, vem a exaltação da conquista: – Realizei o sonho de minha vida! Ou porque encontrou o grande amor. Ou porque descobriu, num átimo de uma carícia, que está sendo amado. Ou porque conseguiu a cura da doença quase incurável. Ou porque deu o beijo desejado na mulher amada. Ou porque foi aprovado na universidade, para fazer o curso dos sonhos. Ou porque fez a viagem para a América ou para a Europa e conheceu todas aquelas maravilhas que por aqui são lugares-comuns. Ou porque o filho nasceu no início de uma manhã ensolarado. Ou ainda porque veio ao mundo o neto tão aguardado, que nasceu justamente num sábado para alegrar a vontade de ser avô, pai por duas vezes, descompromissado de todas as incertezas do futuro do rebento amado. Ou porque foi ao cinema, e de mãos dadas com amada, assistiu todo o filme com o rosto colado um ao outro, num aconchego de namorados eternos, num momento de ternura que realiza todos os sonhos.
Os sonhos faz-nos viver e servem de roteiro para nosso caminhar pelos caminhos sonhados, como desejos plasmados em nossas reiteradas orações de súplica pela felicidade.
Cecília Meireles, essa doce poeta, de Viagem, talvez esteja certa ao dizer-nos no poema Sonhei um sonho: “Sonhei um sonho / e lembrei-me do sonho / e esqueci-me do sonho / e sonhei que procurava / em sonho aquele sonho / e pergunto se a vida / não é um sonho que procurava um sonho.” É verdade, não sei se verdadeira: a vida deve ser esse sonho que se procura no sonho, porque vida sem sonhos é um deserto com tempestades de muitos pesadelos. Por isso, a mesma Cecília, em outro poema, relata um outro sonho, em que a morte lhe veio buscar. O poema diz: “Outro dia sonhei que o coche fúnebre / vinha buscar-me e eu não me achava preparada: / não estava nem morta nem doente, / e sentia que tinha de partir. / Então disse para o cocheiro: / ‘Espere um pouquinho, / que estou acabando de ler este livro.” / E o cocheiro concordou e esperou. / Deve estar esperando.” É apenas o sonho. O sonho de esperar a partida que nunca se dará, a não ser que se desperte do sonhar para realidade finita.
Em Hynme a l’amour (Hino ao amor), de Edith Piaf, canção que ficou famosa no Brasil nas vozes de Dalva de Oliveira e, depois, de Maysa, na versão feita para a língua portuguesa, o sonho é um dos fundamentos líricos desse poema-canção, que atravessou todas as fronteiras e venceu a barreira do tempo, para se eternizar entre nós, para sempre. Edith Piaf constrói um monumento ao amor e dá ao sonho o começo e o fim de tudo. E canta: “Se o azul do céu escurecer / E a alegria da terra fenecer / Não importa, querido, viverei do nosso amor / Se tu és o sonho dos meus dias (...) Não importa, querido, porque morrerei também / Quando enfim a vida terminar / E dos sonhos nada mais restar / Num milagre supremo / Deus fará no céu eu te encontrar.” O sonho, como exaltado nessa linda canção, que nos convida para sonhar, tem essa ambivalência: ampara os momentos de felicidade no amor e serve de consolo quando nada mais resta, a não ser o milagre supremo de um possível encontro nos sonhos da eternidade.
Uma certeza: a vida não seria nada boa, se não fossem os sonhos, independentemente de serem possíveis ou impossíveis. Mas quase sempre impossíveis. Como paradoxo, se realizam, em que pese as suas impossibilidades. Todos nós sonhamos e lutamos bravamente, com todas as forças de nossos sonhos, para realizá-los. Ser feliz é um sonho que nos acompanho do sorriso despretensioso do nascer até ao choro sentido quando fisicamente já não nos resta mais nada para sonhar. Ainda assim, não abandonamos nossos sonhos: o sonho de viver, e viver feliz, mesmo nas intempéries de uma vida difícil. O sonho nos desafia. Sonho é sonho, a exigir de nós a ânsia de incorporá-lo às nossas vidas, quando Deus (para aqueles que creem) nos fará fazer o encontro entre o Céu e a Terra para realização de toda nossa felicidade sonhada.
Luther King, em 28 de agosto de 1963, quando lutava pela coexistência harmoniosa entre negros e brancos, nos Estados Unidos, nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, DC, inconformado porque o negro ainda vivia numa pobreza extrema no meio de um vasto oceano de prosperidade branca, sonhou e disse: Eu tenho um sonho “(...) que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos de descendentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade”. E quando isto acontecer, sonha Martin Luther King, todos os homens, brancos e negros unirão as mãos e cantarão o canto sonhado da liberdade. E paz reinará entre nós. Nós somos livres, afinal, dirão. Sonhemos, pois, pelo menos sonhar nos impulsiona para travessia de todas as esperanças de fazer dos sonhos realidade.
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