O crime tem sido o prato que nos é servido diariamente pelos meios de comunicação de massa. Em tempo não tão distante, foi aperitivo, de divulgação acessória. Não o é mais. As notícias sobre a criminalidade passaram a ocupar espaço e horário nobres dos jornais e televisões. Não raro, a primeira página exibe as fotos dos cadáveres em situação degradante, com destaque para as poças de sangue e os pedaços de miolos espalhados pelo asfalto, com os curiosos em volta do corpo. Em época passada, não era dada tanta relevância a esses atos criminosos, a não ser aqueles que abalavam a sociedade pela violência ou em face da vítima, que fosse uma criança ou algum familiar próximo. Os jornais de opinião dedicavam uma insignificante página para matéria policial, dando mais relevância a outras notícias: economia, política, cultura, educação, esporte, lazer. Ibrahim Sued fez escola em amenidades. O nosso saudoso e inesquecível Zé Edilson, de O Progresso, era leitura obrigatória. Lembro do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã, que, no Rio e no país inteiro, mantinham uma linha de opinião que revolucionava a vida brasileira. A leitura obrigatória era o caderno B, onde estavam as crônicas de Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Comprava-se o Jornal do Brasil para ler a Coluna do Castello, um jornalista bem informado, que opinava, de forma incisiva, sobre as questões referentes ao poder, numa linguagem sóbria e civilizada, diferentemente de alguns nos dias atuais, que, além de proselitistas de carteirinha, são levianos no sagrado exercício da liberdade de expressão. Já o jornal Última Hora, de Samuel Wainer, era composto bons editorialistas. Fazer a sua leitura era um exercício de profunda reflexão. Mas, ainda assim, o diário de maior circulação, que mais vendia, sem o prestígio editorial do JB e do Correio, era O Dia, de Chagas Freitas. Noticiava crimes. De preferência, os bem hediondos, em que os corpos das vítimas eram decepados, retalhados e expostos aos olhares sádicos dos curiosos. De lá para cá, o que mudou?! Respondo: muito. Não é só mais O Dia o jornal do crime. Na TV, o noticioso de maior audiência (embora eu pessoalmente pouco, mas muito pouco o veja) é o Jornal Nacional, da Globo, que está recheado de crimes, dos mais comuns aos mais hediondos. Dá-nos a entender que, no Brasil, os delitos são cometidos a metro quadrado. Essa é a imagem que nos é projetada no dia a dia, a nos levar à falsa idéia de que vivemos no império de bandidos, e o pior, que vale a pena ser criminoso.
Não tenho dúvida de que se vive um momento estranho, bem contraditório. Avançou-se no conhecimento, melhorou-se a condição de vida, o desemprego é menor, a inflação (ainda existente) está controlada, os meios de comunicação participam ativamente do processo de construção democrática, a cidadania está mais participativa, em permanente movimento reivindicatório, os jovens têm tido mais ascensão, porquanto as oportunidades no estudo são mais amplas, a mobilidade social tem sido muito intensa, com a mutação do segmento da pobreza para o patamar da classe média. Nada obstante tudo isso, a criminalidade tem aumentado. E a mídia tem contribuído para sua espetacularização, com o conseqüente surgimento do jornalismo justiceiro - aquele que apresenta o fato, julga e condena, independentemente do sagrado direito do imputado exercer o contraditório. Disso decorre o hediondo populismo punitivo.
O jurista Luiz Flávio Gomes, conhecidíssimo de qualquer estudante mediano de direito, num artigo que publicou num site jurídico - Sensacionalismo não ajuda no controle do crime - sustenta que essa prática "faz parte das técnicas midiáticas, da era da espetacularização. Se a matéria não dramatizar não vende. O que vende é o sensacionalismo. A matéria é imediatista, articulada para comoção e clamor social". Flávio Gomes não retira o direito de a população ser informada, já que é fundamental a contribuição do jornalismo para o entendimento da realidade. Digo eu: ainda que seja uma realidade cruel. No entanto, acentua: "O que deveríamos desprezar é o sensacionalismo, que leva ao discurso do pânico, uma das técnicas utilizadas pelo populismo penal." Esse populismo que apenas quer punir, independentemente do exame da prova e dos argumentos da defesa de quem está sendo acusado, presta um desserviço. Enfim, o acusado é condenado antes mesmo da formalização da denúncia, sendo isso, também, embora pareça paradoxal, causa motivadora da criminalidade, porquanto, quando as instituições se incivilizam, postergando para a lata de lixo conquistas que humanizaram o Direito Penal e a pena, o criminoso que era apenas um simples e inofensivo ladrão de galinha, passa ser um infrator perigoso, a praticar delitos como maior potencial ofensivo, atentando contra a vida do seu semelhante, já que a sua nada vale. Devemos voltar a ler e estudar Cesare Beccaria, que em 1764, com Delitos e das penas, revolucionou as ideias penais, denunciando o mal que se fazia à sociedade ao admitir-se tratamento indigno e desumano ao delinqüente.
Fato indiscutível: o crime está inserido na sociedade (porquanto não há nenhum grupo social sem ele). Faz parte, quer se queira ou não, do DNA social. As pessoas são as mesmas, e os sentimentos e a crueldade não serão diferentes. O amor ferido, a paixão cega, a revolta de quem que se sente desprezada, tudo isso, entranhado nos tormentos da mente perturbada ou motivada, contribuem para impulso da tragédia anunciada. A solução não está apenas na punição. A solução está em nós mesmos.
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