Tenho pensado nestes últimos dias numa das questões que atormentam o brasileiro: a privatização da saúde. Infelizmente, uma opção equivocada nossa. Nós, digo todos nós, num determinado momento, optamos em desprezar o serviço de saúde, prestado pelos médicos e hospitais públicos, para, aos poucos, até chegar ao estágio em que chegou, aderirmos à privatização de um serviço essencial, que se constitui num direito de todos e dever do Estado.
Os jornais estão dizendo, com destaque, que, no dia 25 deste mês, os usuários de planos de saúde vão ficar sem atendimento, já que os médicos de todas as modalidades paralisarão a prestação de serviços eletivos, só mantendo a urgência e emergência. Esse movimento tem caráter reivindicatório, com o objetivo de pleitear reajuste da tabela de honorários dos serviços médicos.
A grande revolução de mudança de paradigmas do Estado brasileiro está na saúde. Especificamente na saúde de todos. Na educação, tivemos alguns avanços. Felizmente, a ânsia privatista não teve o poder de liquidar com a universidade pública, que ainda presta uma educação enfeixando a trilogia ensino, extensão e pesquisa, sem objetivar o lucro fácil do investimento particular. Mas, insisto, a nossa cidadania precisa, com urgência, repensar a sua caminhada no sentido de que se lute pela socialização dos serviços prestados no âmbito da saúde. É certo que, num determinado momento histórico, optamos pelos planos ou seguro de saúde, assim como na educação (no ensino fundamental) fizemos a escolha livre do serviço privado, prestado pelos estabelecimentos particulares. Não poucos, uma verdadeira máquina de caça-níquel, servindo apenas de engodo para os bestas. E isso tem o mesmo sentido na vastidão de faculdades e universidades que vêm proliferando por todo nosso Brasil.
Voltemos à saúde. É do conhecimento de todos nós que os planos ou seguro de saúde, com raríssimas exceções, representam um engodo, verdadeiro estelionato. Não é preciso ir muito longe para constatar esse desserviço. Basta que o cidadão brasileiro faça uma breve consulta nos Juizados Cíveis e de Consumo e nos PROCONs. O índice de reclamação é imenso, o que exige uma tomada emergencial de posição para combater e elidir esse mal devastador.
Em leitura que fiz de um colunista da Folha de São Paulo, Vladimir Safatle, na edição de 17/04/2012, cujo artigo recebeu o título "Os Limites do Lulismo", em que o autor trata de uma possível repactuação salarial, de passagem, fere o assunto, concitando a participação do Estado não só na melhoria de vida do brasileiro mas na presença ativa do poder público na prestação desses serviços. Assim se manifesta o citado colunista: "A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500,00 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de impostos seriam capaz de proporcionar." Essa é uma verdade, talvez não absoluta. Porém, tem expressiva força de ser discutida com a finalidade de se operar uma grande e inevitável transformação no Brasil. Direi, sem medo de errar: aí está a revolução em que o Estado, assumindo o monopólio da prestação dos serviços de saúde, possa tirar o trabalhador brasileiro da condição de mero consumidor para colocá-lo no pedestal de real cidadão.
O amparo de tudo isso está na Constituição Federal, cujas regras devem ser aplicadas na sua essência, em respeito às garantias dos direitos fundamentais. O art. 196 da CF é incisivo: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." Esta norma traz em si o fundamento da socialização da saúde como direito de todos, que deve ser implementado na sua essência, direi até, cidadã. Isso com efetivação de políticas públicas tanto reparativa como preventiva.
Não vejo outra alternativa. Se o cidadão brasileiro quiser ter um serviço de saúde que atenda às suas necessidades, deve começar a pensar na efetiva participação do Estado. Tal atitude não implica deixar de lado o combate à corrupção, trincheira de luta fundamental para prevalência da ética. Ao contrário, os recursos que são drenados para o serviço privado de saúde devem ser destinados para o poder público, que aplicarão, sob a fiscalização de organismos formados pela cidadania. Esse controle deve refletir, sempre refletir, a vigilância ativa da sociedade, sem interferência de políticos, quer integrantes do legislativo, quer do executivo. Em dias recentes, foi feita uma pesquisa, publicada nos órgãos de imprensa, que diz que só reclama dos serviços prestados pelo SUS quem dele não faz uso; quem faz, reclama, não tanto como se apregoa por aí.
Por que afirmo que se trata de uma mudança revolucionária? A resposta é simples. E de simplicidade franciscana. Porque vai agredir os interesses dos grandes e poderosos grupos econômicos que dominam os planos ou seguro de saúde. Apenas a título de ilustração, os hospitais de ponta de São Paulo e alguns de São Luís do Maranhão já não trabalham com planos de saúde. Basta bater à porta do Sírio Libanês ou do Hospital do Coração, que se constato esse descompasso. Os serviços prestados pelos profissionais dessas instituições são de alta qualidade. Se o brasileiro quiser deles fazer uso, terá meter a mão no bolso, ou se desfazer do seu patrimônio, amealhado no curso da sua vida. Essa é a cruel realidade. Ou adotamos uma atitude revolucionária, ou sucumbimos ante o mercantilismo privatista da saúde.