Este meu caminhar deste domingo começa buscando inspiração no Bruxo do Cosme Velho, o nosso sempre recorrido Machado de Assis. Disse ele: “As palavras têm sexo. Amam-se umas às outras. E casam-se.” Mudando um pouco o sentido do que pretendia Machado, acrescento: E têm as palavras, ao casarem-se, acepções e sentimentos, expressando a vontade de quem realiza o consórcio entre elas. Tanto que quem as acasala pode imortalizar-se, ao manifestar as ideias delas extraídas. Ainda é Machado de Assis quem afirma que “um dia, quando não houver Império Britânico, nem República americana, haverá Shakespeare; quando se não falar inglês, falar-se-á Shakespeare”. Toda revolta ou revolução tem as palavras para justificá-las, embora na alegoria orwelliana não se distinga, no fim de tudo, quem seja homem ou quem seja porco. As palavras e as ideias que decorrem da sua construção estética, ou não, fazem com que todos sejam iguais, homens ou animais. No frigir dos ovos, cada um puxa brasa para sua sardinha e produz a hermenêutica dos fatos ao seu talante, inclusive este que vos fala.
Pois bem. O que dizem eles?
Marcello Lavenère, que há 23 anos assinou o pedido de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, sustenta que a situação da presidenta Dilma Rousseff é radicalmente distinta daquela vivenciada por Collor, sobre o qual pesavam gravíssimas e comprovadas denúncias de envolvimento no esquema de corrupção operado por Paulo César Farias, seu tesoureiro de campanha e, após a eleição e posse, operador de escusas negociações, que bancavam as fartas despesas da primeira dama Rosane Collor, hoje apenas Malta, e da Casa da Dinda. A CPI mista, composta por deputados e senadores, afirma Lavenère, comprovou esses fatos, tendo o pedido de impeachment sido acolhido por Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara Federal. Ainda acrescenta: “As investigações da Operação Lava Jato não indicaram o mais pálido sinal de benefício pessoal ou envolvimento direto da presidenta no escândalo de corrupção da Petrobras. Pior, o processo foi deflagrado por Eduardo Cunha, sobre o qual realmente pesam graves denúncias.” Esse depoimento de Lavenère foi dado para a revista CartaCapital, na edição de 9 de dezembro de 2015.
Segue esse mesmíssimo entendimento o constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, em 20 de dezembro de 2015, cuja ideologia, diga-se, não é petista, assim como não é filiado a qualquer partido político, postando-se apenas como guardião da Constituição. Dallari é um constitucionalista respeitado, e muitas das suas ideias serviram para consolidar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Sobre o impeachment afirma: “Não há a mínima acusação de que ela (a presidenta) tenha desviado recursos financeiros em proveito próprio ou de alguém ou para aplicação ilegal, contrária à lei orçamentária.” E mais: “A pedalada é um artifício contábil e não um desvio de recursos financeiros para objetivo ilegal. É um retardamento na transposição de um fundo para outro. Não configura crime de responsabilidade previsto na lei do impeachment.” Comentando a decisão do STF, que cassou o golpe dado por Eduardo Cunha, em conluio com o PSDB de Aécio e o vice Michel Temer, Dallari estabelece a diferença essencial entre os papéis da Câmara e do Senado, e ressalta que cabe à primeira apenas autorizar e ao Senado a instauração do processo (art. 86, II, da CF), como juízo de admissibilidade definitiva. Oscar Vilhena, nesse ponto (FS, 21.12.2015), concorda com a decisão do Supremo, ressaltando que “não há que se falar em usurpação. O que o Supremo fez foi ocupar um espaço vazio deixado pelo legislador”, fixando um “procedimento compatível com a Constituição”. Já Carlos Ayres Brito, ex-ministro do STF, em texto publicado no Estadão, em 27.12.2015, manifesta outro entendimento, admitindo como erro a cumulação de competências no Senado. Penso que Ayres Brito, em que pese a sua erudição, não está certo, em face do que dispõe o inciso II do art. 86 da Constituição. Sigo, pois, a corrente majoritária, que dá interpretação mais adequada à norma constitucional, revalorizando, como quis a Lei Maior, o papel do Senado. As palavras da Constituição são mais que palavras. Dão diretrizes, que impõem observância. E o STF, por maioria, disse qual o seu significado, sustando um golpe deflagrado por um deputado sobre o qual pesam gravíssimas denúncias de corrupção.