Aureliano Neto*


Câmara Municipal de Imperatriz. Dia 19 de fevereiro do ano de 2013. Ano da graça do Nosso Senhor Jesus Cristo. O debate entre os nossos valorosos edis desta cidade do Frei Manoel Procópio, fundada às margens do Tocantins, estava intenso e mesmo de relevante e motivado acirramento. O assunto não é era cobrança do IPTU, até porque, disse alguém entendido em tributos, é inevitável pagar-se, quer se queira ou não. O município todo ano não deixa por menos: cobra com a veemência do seu poder de força esse famigerado imposto, que, felizmente, contempla isenção para alguns menos favorecidos. Mas, também para uns poucos que têm residência na periferia e, sejamos justos com a cultura política do toma lá, dá cá, para outros mais favorecidos. Era uma sessão funerária. Os vereadores discutiam, com as vozes acaloradas pelo relevante tema, as cobranças absurdas dos caixões de defunto. Como não poderia deixar de ser, houve gravíssimas acusações mútuas e sem ser mútuas. Segundo a notícia do jornal - e jornal sabe de tudo, sobretudo o que ocorre em câmaras municipais -, um edil, muito exaltado, proferia palavras denunciadoras dizendo que infelizmente há vereadores que fazem política doando caixões, não ficando claro se de defunto ou para outra finalidade menos ou mais nobre. E com gravidade esse parlamentar acrescentava que quem faz a doação dos caixões não é o vereador, mas a prefeitura que tem contrato com uma funerária. Por fim, fica claro que se trata de caixão de defunto. Ainda assim, em que pese toda celeuma, não ficou a dúvida se esse contrato mantido entre a prefeitura e a funerária se originou ou não de alguma licitação, ou se é um agraciamento do poder público. Prefiro não manter minha colher nessa história.
O debate funerário foi indo. Diz o jornal do alto de sua sapiência: - não estou inventando nada; o jornal é que diz - uma vereadora se aborreceu. E aí foi um deus nos acuda. Não ficou pedra sobre pedra. Resolveu essa briosa parlamentar fazer uma confissão da mais alta importância para o povo imperatrizense. O que disse a nossa grave parlamentar? Disse que, além de roupa, compra bolo e café para os velórios. Não fez, felizmente, nenhuma bombástica declaração como se, no afã de atender às carências do defunto, também participasse do velório derramando lágrimas de esguicho (socorra-me Nelson Rodrigues!), devotadas pelo sofrimento da morte do pobre diabo. Observação necessária: a expressão diabo nada tem a ver com o belzebu. Longe, mas muito longe de ter qualquer relação com o conhecidíssimo satanás, que, diga-se, tem servido para enriquecer alguns espertos (e expertos) à custa de suas malfaladas peripécias. Que o diga o edil com r. Perdoem-me o trocadilho infame. Faz-se necessário.
E a sessão funerária prosseguiu nessa troca de graves acusações. Um dos nossos bravos vereadores - creio eu que com justa razão - insiste em combater os abusos nas cobranças dos caixões, embora não argumentasse em benefício de sua tese qual a finalidade precípua do seu uso. Mas, vejam bem: alguém que compre um caixão pelo preço da morte, para acomodar o usuário, de regra morto, para levá-lo à morada derradeira e, depois, o pijama de madeira, como diz o eufemismo popular, ser consumido pelo tempo, é, pela ótica capitalista, um grande desperdício. Não entremos nesse exame de custos e benefícios. Outro vereador, saindo desse dessa discussão, mais afeito com a pureza do voto, talvez contaminado pelos ares profiláticos da lei da ficha limpa, sapecou essa denúncia que merece ser apurado pelo nosso vigilante Ministério Público eleitoral. O que disse o nosso preocupado edil? Apenas isso (vai com aspas, para dar mais destaque): "Infelizmente, defunto em Imperatriz tem sido moeda de troca de voto." E não sobrou nem para a secretária de Desenvolvimento Social, a nossa queridíssima Míriam Reis, que tem por mania, quem sabe cumprindo ordem de cima, não atender alguns parlamentares na concessão dos pleitos funerários, caso o vereador não seja da base do governo. Diga-se: se tal fato for verdadeiro, a democracia funerária em Imperatriz anda meio torta. Quem é da base do governo, faz parte do processo democrático de enterro com caixão. Não há que se perquirir nem se o defunto, usuário preferencial do caixão, votou ou não. O que interessa é se o vereador é da base do governo. O caixão sai com todas as medidas e preferências do usuário. Se não for da base, vai o defunto mesmo nuzinho para a cova. Aliás, talvez essa não seja uma questão de preço abusivo do caixão, ou de estar ou não na base do governo. Tenho para mim que, nesse caso, estar-se dando maior sentido à máxima bíblica: do pó vieste, ao pó retornarás, de preferência como nasceste. Concordo com o que foi dito por um dos bravos vereadores, que, segundo diz o jornal - e repito: jornal sabe tudo -, sapecou essa pérola de ironia, que lembra muito o nosso imperecível Jurivê de Macedo: "Se os mortos estão dando esse trabalho, imagine os vivos..." É uma grave verdade, dita num momento grave de debate, que precisa ser mais amplamente debatida pelos nossos edis, quem sabe, numa outra sessão, desta vez dedicada aos vivos. Os vivos vivos e os vivos expertos, que fazem da morte um modo funerário de se eleger.

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