Frase que Vinícius de Moraes adorava. Assim dizem os seus amigos e companheiros de andanças pelos versos, canções e nas tertúlias regadas pelo bom uísque. Como o cachorro, afirmava Vinícius: o melhor amigo do homem. Por essas e outras, tenho deduzido que a nossa vida é construída de frases. O primeiro balbucio já nos obriga a pensar a primeira palavra. Daí em diante construímos a nossa vida e a nossa história com palavras. Por isso mesmo, o nosso caminhar é marcado pela imprevisibilidade das frases. Até porque no começo era o verbo, e o verbo se fez homem e habitou entre nós. Nos poderes, há aqueles que governam com frases: - Vamos acabar com os privilégios, afirmam com a voz de barítono, estufando a arcada peitoral, independentemente de macho ou fêmea. Mas... na hora agá, a frase dita com tanta entonação de verdade, para nada serve, a não ser para citação em coluna jornalística, ou ainda para ser repetida pelo puxa-saco de plantão, sempre com tempo disponível para transformar o dito pelo não dito, ou vice-versa. Portanto, caro amigo, cuidado com as frases. Nem sempre elas são o que são.
Ainda assim, com toda essa suspeita, até porque vivo de frases, do acordar ao dormir, adoro, como Vinícius, uma boa frase. E muitas vezes sonho com frases. Não é comum. Mas acontece. Apenas quando acordo de supetão, tento lembrar o que me foi dito no sonho, e nada. A frase sonhada esvai-se na sonolência da lembrança, sobretudo quando o sonho é mais pesadelo do que sonho. O pior: esse fenômeno onírico acontece com todos nós viventes: homem, mulher, homo disso ou daquilo, gênero de qualquer qualidade, o certo é que ninguém escapa. Além das saborosas frases, que nos causam efeitos positivos ou negativos, há certas palavras que, aqui e acolá, a gente está repetindo. Lembro de agilizar. Houve um momento de nossa história frasista, que agilizar estava na moda. E ai daquele que não a usasse nas suas conversas cotidianas, ou mesmo em palestras ou conferências, o mundo desabava em incertezas. O sujeito, uma sumidade da direita ou da esquerda, passava ser um rematado idiota. Ora bolas, vituperavam os incrédulos: - O cara não citou uma mísera vez a palavra agilizar. E acrescentavam: - Essa palestra foi de um vazio retumbante.
A propósito, quando fazia o curso de Direito, tinha um colega de turma - um desses alunos de muito prestígio acadêmico - que sempre que falava, tinha que citar a palavra acantonar. Podia até não fazer sentido, mas acantonar não podia deixar de ser citada. Curioso, foi ao dicionário, muito conhecido pela alcunha pejorativa, ou quem sabe verdadeira, de pai dos burros. E, vendo o seu significado não tão significante, não dei mais importância ao acantonar desse companheiro de curso. Mas, se quiserem saber o sentido, peguem o dicionário. Aviso: não haverá grande surpresa semântica.
E assim a gente vai vivendo de frase em frase. E de palavra em palavra. Napoleão, o célebre conquistador corso, não deixou por menos e, na batalha das Pirâmides, durante a campanha do Egito, disse a frase que atravessou a história: "Quarenta séculos vos contemplam." Já Maria Antonieta vendo o povo miserável e faminto, sem pão para comer, falou: "Se não têm pão, comam brioches." Em que pese essa frase, teve a coragem e a dignidade de enfrentar, sem esboçar qualquer temor, a guilhotina. Quando a afiada lâmina desceu e separou-lhe a cabeça do corpo, o verdugo pegou na cabeça pelos cabelos e, mostrando-a à multidão, clamou outra frase de efeito para o povo, desejoso de vingança, na Place de la Révolution: "Viva a revolução!" Com a decaptação de Maria Antonieta, cai a última bastilha da monarquia francesa.
No reino das frases, há aquelas que são caracterizadas pela humildade, como a de Sócrates: Só sei que nada sei, por considerar-se o mais sábios de todos, embora acreditasse não ser sábio. Ou a de Francis Bacon: O conhecimento é poder, que resume as ideias desse pensador inglês, para quem o conhecimento, e em particular a ciência, devia trazer poder ao homem.
Nesse itinerário de frases, é bom lembrar de Diógenes de Sínope, que viveu em Corinto, no ano 336 a.C. Alexandre Magno, rei da Macedônia, foi ao seu encontro, para satisfazer o desejo de falar com o grande sábio. Ao encontrá-lo, disse-lhe: - Sou Alexandre, rei da Macedônia. E aproximou-se tanto do velho filósofo, que sua sombra se projetou sobre ele. Respondeu Diógenes: - Eu sou Diógenes, o cínico. Alexandre, vendo o estado de fragilidade material do velho filósofo, que não acreditava em bens materiais, disse-lhe: - Ó Diógenes, formula um desejo e eu farei com que ele se cumpra, por mais difícil que seja! Entre os dois, estabeleceu-se um silêncio. Diógenes se encontrava na mesma posição, à sombra do rei da Macedônia. E respondeu: - Afasta-te, não me tapes o sol. Alexandre atendeu ao pedido e afastou-se rapidamente. A frase de Diógenes ficou para história das frases, como expressão de humildade, desapego e desprendimento. Ele não queria mais do que sol, um bem que para ser usufruído não precisava do poder do rei.
*Membro da AML e AIL.
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