Certa vez, e já se vão muitos anos, um especialista em leisencontrou com Jesus, quando o Filho de Deus andava entre nós, e querendo testá-lo e tentá-lo, como antes outros fizeram a respeito do pagamento do tributo a César, perguntou-lhe: - Mestre, que devo fazer para receber a vida eterna em herança? Jesus percebeu a armadilha do indagador e lhe fez esta pergunta: - Que está escrito na Lei? Como lês? A resposta do sábio-curioso foi dada com muita sapiência: - Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e a teu próximo, como a ti mesmo. Ouvindo a resposta, Jesus acrescentou: - Respondeste corretamente. Faze isso e viverás.
Inconformado o interlocutor e querendo saber mais, perguntou-lhe ainda: - E quem é o próximo?
Jesus contou-lhe então uma historinha, que continua tão atual como se fosse o dia de ontem. Vamos a ela: - Certo homem descia de uma cidade para outra. Por infelicidade, caiu nas mãos de alguns assaltantes. Estes, além de lhe roubarem tudo, o espancaram, deixando-o gravemente ferido, quase morto, num dos lados da estrada. Por aquele caminho, passou um religioso, desses que rezam ou oram a todo instante. Olhou, viu e seguiu pelo outro lado da estrada. Em seguida, passou outro religioso, pregador de um dos templos da época, ainda por cima zelador do mesmo. Também olhou, viu e tomou outro caminho. Por último, pela mesma localidade, passou um sujeito de pouca ou nenhuma pureza religiosa. Um desses que não tá nem aí pra coisa alguma. (Bem Jesus não usou essa expressão; trata-se de um reforço de linguagem.) Aproximou-se do ferido, examinou-o, deu-lhe toda a assistência, prestando-lhe os primeiros socorros, curando-lhe as suas feridas. Como tinha que seguir viagem, não o deixou no desamparo. Procurou uma hospedaria nas imediações e o entregou aos cuidados do proprietário, e ainda efetuou alguns pagamentos, comprometendo-se a complementar as despesas no seu retorno.
Terminada essa historinha, Jesus perguntou: - Qual dos três foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos assaltantes? A resposta veio imediata: - Aquele que usou de misericórdia para com ele. Jesus então conclui: - Vai e faze tu a mesma coisa.
Para quem segue o cristianismo, são dois os mandamentos: Amar a Deus de toda a tua alma e de todo o coração, e ao próximo, como a ti mesmo. Esses dois mandamentos são inseparáveis. Não adianta amar a Deus, sem concreta e efetivamente amar ao próximo. Em várias passagens da Bíblia, encontra-se forte presença dessa exigência. Um exemplo disso é quando o jovem procura Jesus, chamando-o de Bom Mestre. Jesus recita os mandamentos,a serem seguidos, para alcançar a vida eterna. E ele responde que os cumpre. Jesus então lhe diz: - Vai, vende tudo que tens e dá aos pobres. O jovem sai triste, porque é nesse desprendimento material que está o amor ao próximo, que não é retórico, resumido em meras campanhas assistencialistas. É mais. Muito mais. Tanto que Cristo ainda afirma: - Não existe outro mandamento maior que estes.
Ao ser canonizada, Irmã Dulce cumpriu, durante toda a sua vida de consciência religiosa, esses dois mandamentos: amar a Deus e ao próximo. Independentemente de ocorrência de atos milagrosos, que, nos dias atuais, viraram rotina nos templos cristãos, onde qualquer mal é curado, até mesmo as crises financeiras pessoais, a Irmã Dulce, recebeu esse titulo pela sua vida dedicada a Deus e ao próximo. Uma vida de amor aos pobres.
A santificação remonta às origens do cristianismo. Os mártires, os que deram a vida pela fé cristã, eram venerados pelos que acreditavam na sua santidade. A partir dessa tradição, firmada na crença do povo, a Igreja Católica, há milênios, incorporou aos seus ritos a canonização dessas pessoas que tiveram a sua vida de efetivo amor a Deus e ao próximo. Irmã Dulce teve, por força dessa tradição, a veneração das pessoas que conheceram a sua obra durante toda a sua vida de dedicação aos necessitados.E as incompreensões ocorrem tanto em vida como após a morte. Umas por ideologia religiosa, em face dos que devotam seu menosprezo; outras, por absoluta ignorância.
Em vida, conta-se uma história em que a Irmã Dulce, Santa Dulce dos Pobres, fazendo a sua peregrinação para angariar recursos para “seus” doentes, ao estender a mão para um comerciante, este,desrespeitosamente, lhe deu uma cusparada. Irmã Dulce, como boa samaritana, limpou com um lenço a sujeira da mão e, levantando-a para o agressor, disse-lhe: - Está certo. Isso foi para mim, agora eu quero saber o que senhor vai dar para os meus doentes. Esta é uma atitude de santidade, que reflete o sentido do tomar a cruz e seguir Cristo. E só o amor a Deus e ao próximo santificam.
* Membro da AML e AIL.
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