Baiano. E dos bons. Jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador. Viveu a transição histórica do Império para a República. Foi abolicionista. Candidato à presidência da República na campanha civilista, em 1919. A Constituição Federal de 1891, que adotou o sistema presidencialista, seguindo o modelo norte-americano, e atribuiu ao recém-criado Supremo Tribunal Federal o controle sobre a constitucionalidade das leis e atos administrativos do Legislativo e do Executivo, tem a sua inspiração e transpiração. Em defesa da liberdade - era um liberal -, instituiu a garantia fundamental ao habeas corpus. Rui Barbosa fez a revisão do projeto constitucional da comissão jurista, que não foi aprovado pelo Governo Provisório republicano de Deodoro, e estabeleceu a isonomia entre os poderes, fixando o sistema de freios e contrapesos. A Constituição de 1891 traz a marca desse jurista, político e pensador baiano, que teve uma biografia ativa na construção do Brasil. Se história é mudança, como muitos afirmam, Rui, com a sua vasta e rica biografia, representou essas mudanças.

Por que a lembrança de Rui Barbosa? Vasculhando os meus alfarrábios: papéis, anotações etc., deparei-me com texto escrito por Rui, sob o título O justo e a justiça política. Rui caiu no esquecimento, como Pontes de Miranda, Victor Nunes Leal, Aliomar Baleeiro, Calmon de Passos, Frederico Marques e outros pensadores brasileiros, que desenvolveram seus saberes no âmbito das ciências sociais: direito, sociologia, política e economia. Se são consultados aqui e acolá, não os são mais lidos (estudados). Os estudos atuais são mais para concurso e obras esquematizadas. Apenas o essencial.
Transcrevo algumas passagens do texto de Rui Barbosa, que se apresenta bem atual. Antes, um alerta: Rui tinha certo preciosismo no escrever. As frases eram sempre lapidadas, a denunciarem o seu estilo. Basta dizer-se que, em três dias, como senador, fez a revisão de todo o projeto do Código Civil de 1916, com vigência até 2002, gerando a Réplica e a Tréplica como decorrência do debate que manteve com o seu ex-professor, o também filólogo Ernesto Carneiro Ribeiro.
Diz Rui Barbosa:
"Para que os que vivemos a pregar à república o culto da justiça como o supremo elemento preservativo do regímen, a história da paixão que hoje se consuma, é como a interferência do testemunho de Deus no nosso curso de educação constitucional. O quadro da ruína moral daquele mundo parece condensar-se no espetáculo da sua justiça, degenerada, invadida pela política, joguete da multidão, escrava de César."
Rui se refere ao julgamento de Cristo: "Por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhuma teve um juiz." Num primeiro momento, conclui: "Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados." E mais: "A ilegalidade do julgamento noturno, que o direito judaico não admitia nem nos litígios civis, agrava-se então com o escândalo das testemunhas falsas, aliciadas pelo próprio juiz, que, na jurisprudência daquele povo, era especialmente instituído como o primeiro protetor do réu. Mas, por mais falsos testemunhos promovessem, lhe não achavam a culpa que buscavam." Refere-se ao desprezo das formalidades e à corrupção da prova testemunhal produzida por aqueles juízes, no afã da condenação do Justo: "Mas juízes, que tinham comprado testemunhas contra o réu, não podiam representar senão uma infame hipocrisia da justiça. Estavam mancomunados, para condenar, deixando ao mundo o exemplo, tantas vezes depois imitado até hoje, desses tribunais, que conchavam de véspera nas trevas, para simular mais tarde, na assentada pública, a figura oficial do julgamento." Os judeus insistiam na condenação à morte daquele que se dizia filho de Deus, Blasfêmia!, vituperavam. O fim era a morte, sustenta Rui, "e sem a morte não se contenta a depravada da justiça dos perseguidores". No mundo nosso, onde não há a pena de morte, não gritam insanamente os perseguidores "Crucificai-o!", mas "Condenai-o!" 
Prossegue Rui: "Devia estar salvo o inocente. Não estava. A opinião pública faz questão da sua vítima." Pilatos põe-se em conchavo adúltero com a multidão inflamada pelos príncipes dos sacerdotes. Lava as mãos. "E os tiranos se reconciliam sobre os despojos da justiça." Herodes recua. Pilatos tergiversa. "O clamor da turba recrudesce." Pilatos e a dúvida: - Não vejo delito nesse homem! Que mal fez ele? "E o entregou ao crucificadores. Eis como procede a justiça, que não se compromete. A história premiou dignamente esse modelo da suprema cobardia da justiça. Foi justamente sobre a cabeça do pusilânime que recaiu antes de tudo em perpétua infâmia o sangue do justo."
Rui conclui: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos!" E, ainda, arremata esse baiano que escreveu grande parte de nossa história: "O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde". Direi mais, sem nenhuma dúvida: Nem para o juiz imparcial, apanágio ético de todo julgador e pilastra mestra de sustentação dos postulados da Justiça.