Tem uma crônica de Rubem Braga que ele inicia prazerosamente assim: "Recordo, sem nenhuma saudade, o tempo que passei redigindo anúncios. O leitor comum não pode imaginar que um pequeno anúncio é tão trabalhoso como um soneto." Daí, segue relacionando a atividade intelectual do escritor com a publicidade. Mas diz que poucos viviam disso, como foi o caso de Olavo Bilac. Cita Orígenes Lessa, que produziu uma literatura para adulto e infanto-juvenil, com sucesso e de excelente qualidade, e viveu profissionalmente como publicitário.
Essa crônica do velho e sempre atualíssimo Braga me lembrou do revisor dos jornais e editoras. Sobretudo dos jornais, onde vivi boa parte de minha vida, nas oficinas e perambulando pelas redações. Todo jornal do meu tempo de linotipista tinha dois revisores. Ou, em época de contenção de despesas, muito comum, pois o aperto fazia parte do jornalismo menos empresarial e mais político, um revisor.
Quando fui aprendiz no Diário da Manhã, ainda na rua da Estrela, havia um revisor; no Sioge, duas revisoras. Excelentes revisoras. Em O Imparcial, havia dois revisores ou um, dependendo do tempo. Durante a noite, para fechar o jornal, além do secretário, Ferreira Baty, apenas um revisor. Em O Progresso, de Imperatriz, considerado à época de expressão regional, quando por lá cheguei nos idos de 1975, havia revisor, não lembro se um ou dois. E ainda contava com a revisão feita pelo eclético jornalista e competente provisionado (da OAB) Jurivê de Macedo. No Diário de Notícias, do Rio, onde trabalhei na reportagem geral, sob a recomendação de Lago Burnet, que teve a generosidade de me indicar, havia a figura do copidesque, jornalista de maior vivência e de conhecimento mais sólido, que dava uma redação mais elaborada ao texto do repórter, seguindo normas e critérios editoriais. Ainda assim, havia o revisor.
Famosos jornalistas deram os passos iniciais na revisão. Depois, foram para reportagem geral, ou setorizada. Criaram fama, e alguns deitaram na cama. Não havia curso de comunicação. O conhecimento era pragmático, na redação. Da revisão, muitas vezes, à reportagem, como foca. Até a redação, quando havia uma melhoria de ganho salarial e da própria vida.
Além do revisor-revisor, aquele profissional pago para fazer revisão, o linotipista, figura do passado, recentemente engolido pelo avanço da informática, contribuía com os seus conhecimentos para expurgar dos textos as imperfeições gramaticais. Às vezes, até mesmo, corrigir regência ou concordância verbal ou nominal. Conheci um amigo linotipista, e dos bons. Reunia todas as boas qualidades de um linotipista: conhecia mecânica, era hábil no manejo da máquina, sabia a língua portuguesa, e, nas horas vagas, quando fechávamos o jornal, pela madrugada, já absorvidos alguns sucessivos copos, era um excelente cantor de bolero e samba-canção, com uma voz quase igual à de Orlando Dias. Ferdinando, velho companheiro de trabalho e noitadas, era o cara, na linguagem mais modernizante. Um perfeito profissional, que transpunha com qualidade o texto para as barrinhas de chumbo e, ainda, fazia as correções que entendia necessárias.
Lembro que, certa vez, convidado por um companheiro de linotipo, para, numa noite de sábado, fazer o Jornal O Dia, aceitei. Mesmo porque ele mesmo me pagava as horas de trabalho. Sete da noite, lá eu estava. Quem secretariava a redação era o jornalista e poeta Carlos Cunha, com quem travei algum conhecimento durante a minha vida. Avançava pelas onze horas da noite, o jornal precisa ser fechado. Havia um buraco na primeira página, a última a ser concluída. Veio a mim uma matéria, que se referia a um "empossamento" de água. Sem pestanejar, nem consultar a redação, corrigi para "empoçamento". Carlos Cunha veio falar comigo perguntando se eu era estudante. Disse-lhe: estudo o clássico no Liceu. Ah!,bem, foi a sua lacônica resposta.
Já no Rio, além da experiência como repórter do Diário de Notícia, ganhei a vida como revisor. Mas em editoras. Não tantas. Mas uma delas foram as Edições de Ouro, hoje denominado Ediouro, especializada em livros de bolso. Foi uma fase excelente. Ganhava dinheiro para fazer o que mais gostava: ler. Também lia muita coisa que não prestava. E muita coisa boa. Só Madame Bovary li quatro vezes para revisar atualizando a ortografia. Depois, fui promovido. Associava a revisão à elaboração de alguns textos (pequenos) de apresentação de livros, que eram lançados no mercado.
Vive-se a carência de revisão. Tanto nos jornais como nas editoras. Há erros crassos. Em títulos de primeira página. Porém justificáveis. As pessoas não mais escrevem. Ronronam, emitem balido, grasnam, arrulham, recorrendo às expressões onomatopaicas, tipo rrrsss, vc, aarrss, argss, ou coisas semelhantes. Voltamos à comunicação da caverna. Revisar o quê? E o pior, quem lê?
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