Estamos chegando a ela, onde tudo pode começar ou recomeçar. E, com discernimento, responsabilidade democrática e arraigado a um profundo sentimento ético, escolheremos quem nos representará na função executiva de governo e no parlamento estadual ou federal. Vem-me à lembrança o cântico aflito do poeta dos escravos, que, em O navio negreiro, denunciava os horrores da escravidão do negro, desterrado da África e submetido aos grilhões do seu opressor, que detinha, a fogo e ferro, o domínio da casa-grande em detrimento do pessoal da senzala. A súplica poética a ser lembrada, que ainda ecoa em nossos tempos, representa um aviso histórico quanto aos passos que daremos para preservar a intacta a liberdade. Castro Alves, nesse pungente canto de inconformismo, nos alertou, com a sua sensibilidade humanística, o quanto o exercício pleno da liberdade constitui o apanágio da vida do ser humano, sem carecer do rancor da beligerância destrutiva. O poeta baiano deixa o conformismo de uma sociedade burguesa e escravocrata, para, em linguagem crua, mas evocativa, denunciar o sofrimento do negro escravo: "Stamos em pleno mar... Doudo no espaço / Brinca o luar - dourada borboleta; / E as vagas após ele correm... cansam / Como turba de infanes inquieta. / 'Stamos em pleno mar... Do firmamento / Os astros saltam como espumas de ouro... / O mar em troca acende as ardentias, / - Como constelações do líquido tesouro... / 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos / Ali se estreitam num abraço insano, / Azuis, dourados, plácidos, sublimes... / Qual dos dous é o céu? Qual o oceano?... (...) Donde vem? onde vai? Das naus errantes / Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? / Neste saara os corcéis o pó levantam, / Galopam, voam, mas não deixam traço. (...) Albatroz! Albatroz! águia do oceano, / Tu que dormes das nuvens entre as gazas, / Sacode as penas, Leviathan do espaço, / Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas." É esse o cantar condoreiro de Castro Alves, que, quem sabe, nos motive nesta nossa caminhada em rumo às urnas neste dia sete, a nos exigir uma postura de cidadania libertária para que se possa manter incólume o Estado de Direito, e, como decorrência, a democracia, como expressão maior do governo do povo, para povo e pelo povo, na histórica concepção do grande Lincoln.
Dois fatos recentes, e graves, que antecedem estas eleições, não passaram despercebidos: 1.º - o Supremo Tribunal Federal, por votação da maioria de seus ministros, decidiu excluir do processo eleitoral 3,3 milhões de eleitores, ao determinar o cancelamento de títulos de eleitores que não compareceram à revisão eleitoral. Essa decisão do STF pode, sobremaneira, influenciar no resultado das eleições, elegendo por essa diferença o candidato que perderia o pleito de outubro, uma vez que os eleitores atingidos por exclusão de cidadania são pessoa humildades, que não fizeram o seu recadastramento eleitoral; 2.º - até o momento em que estou digitando este texto, o candidato do PSL à presidência da República amargava uma queda, em pesquisa, de 8 pontos nos estados do Sul, dando-se o fenômeno eleitoral denominado de síndrome de candidatura precoce, que se desgasta no curso da campanha, em vista de uma série de fatores provocados ou pelo candidato ou por seus correligionários. Face a esses preocupantes números, acendeu a luz vermelha da desesperança. Pode ser que o barco esteja à deriva, haja vista que o candidato do PT cresceu em índice considerável nessa região, onde o seu concorrente sofre uma queda acentuada. Capitão, apesar de ter um vice general, o qual tem a besta mania de se meter em assunto de que não tem o mais primário conhecimento, estacionou e, pouco tempo, vem regredindo. Do que se deduz é que o brasileiro está buscando uma área de conforto, reconstruindo um pacto de brasilidade e optando pela tolerância que reclama uma convivência pacífica. Sem associar-se ao ódio.
O poeta dos escravos alerta, nos quatro primeiros quartetos: 'stamos em pleno mar". Sem correntes, livres, para poder enfrentar a força procelosa das águas. Não devemos fazer do nosso sonho um sonho dantesco. Façamos as nossas escolhas dando uma olhada na história do Brasil, a antiga, desde os primeiros momentos, nos primeiros passos deste País, e a mais recente, contemporânea para muitos que mourejam nas suas terras. Essas nossas experiências de lutas democráticas nos impõem uma severa responsabilidade pelos nossos destinos. Avancemos, conscientes, para realizar não os nossos mesquinhos sonhos pessoais, mas os de uma sociedade comprometida em construir os postulados da dignidade da pessoa humana. Essa nossa responsabilidade nos obriga a condenar posturas que incentivem a prática criminosa como solução para o crime. A violência, em quaisquer das suas modalidades, quer em gestos, em linguagem ofensiva ou fatos materializados em agressão física, há de sempre gerar a violência. A dignidade da pessoa humana é o sobreprincípio de todo nosso sistema jurídico, com vigência impositiva a partir das garantias dos direitos fundamentais, insculpidos na Constituição Federal. O nossa escolha, pelo voto, expressa, e deve sempre expressar, esse sentido de dever e de efetivação da pessoa como ser humano. 
Castro Alves, induzido pela força de sua poesia contestatória, antecipou-se ao nosso tempo, que ainda vive o escravismo da desigualdade - esta uma violência, ínsita em nossa sociedade, geradora de todas as violências. Reitero: é esta a maior violência que contamina a sociedade como um todo, materializada na brutal exclusão social. Da desigualdade origina-se o espírito insano da morte dos valores, afetando até mesmo aqueles que pensam que o remédio para esses seculares males está no uso do mesmo remédio: a violência que se vem institucionalizando sob vários matizes, entre assassinato do Estado que atinge os mais pobres, que vivem em comunidade carentes.

* Membro da AML e AIL.