Tema extremamente controvertido, que não deveria estar sendo objeto de emenda constitucional proposta, discutida e votada de forma tão açodada. É o que está infelizmente ocorrendo no Congresso Nacional, especificamente na Câmara Federal, tendo a Comissão de Constituição e Justiça autorizado, no dia 31 de março, o debate sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, sob uma série de fundamentos falaciosos, entre os quais a afirmação de que o menor de 18 e maior de 16 anos exerce o direito ao voto, portanto é responsável penalmente, ou os nossos adolescentes já têm compreensão suficiente de entender o caráter ilícito dos seus atos, ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Ou seja, dizem: não estamos mais nos idos de 1940, quando o Código Penal foi elaborado, embora mantidos os mesmos parâmetros de inimputabilidade na reforma de 1984.
Sobre essa controvertida questão, não ficarei em cima do muro, naquela posição hipócrita do não sou contra nem a favor, muito pelo contrário. A princípio, tenho posição firmada, neste momento histórico em que vivemos, em que o debate se descambou para o emocional e até para posições odiosas, de índole irracional. Sou contra a redução da maioridade penal. Alinho-me com aqueles que defendem a adoção de outras medidas, por não crer que a construção de presídios para albergar esses adolescentes infratores possa substituir medidas efetivas de inclusão social, de proteção da família, de igualdade de oportunidades, de uma educação consistente, qualificada e inclusiva, de solidariedade, de proteção do mais vulnerável, propiciando, a partir de um trabalho constante e determinado, da sociedade, como um todo, e, especificamente, do poder público, aquilo que os seus desiguais têm em abundância, já que de origem de uma classe mais abastada. Entendo que punir o adolescente, como se fosse adulto, segregando-o em presídios, que não educam e muito menos ressocializam, é contribuir, ainda mais, para desumanizar a pessoa humana.
A questão não é tão simples assim. A OAB deve estar atenta a isso. Não se pode permitir que parlamentares, que integram as chamadas bancadas da bala, e agora os chamados evangélicos (mas anticristãos, pois Cristo pregou o amor e a solidariedade), adeptos da violência, queiram institucionalizá-la, sem que se tenha um debate sério e profundo com os segmentos sociais interessados, sobre um tema que afetará, de forma contundente, a vida das pessoas, sobretudo os pobres. O índice de criminalidade do menor infrator abrange, em quase toda a sua totalidade, os jovens de família desprotegida, que precisam de políticas efetivas de proteção e não de cadeia. E não me venham com o argumento de que a prisão do adolescente será estruturada para reeducá-lo, ressocializando-o para uma nova vida. Isso é uma balela. O Brasil é a terceira população carcerária do mundo, somente atrás dos Estados Unidos e da China. São 715 mil detentos em penitenciárias. O índice de reincidência é altíssimo. Pois é. Quero que me apontem algum desses condenados que foi reeducado pelo nosso sistema prisional. Se não se conseguiu realizar esse objetivo com os atuais imputáveis, que é o fundamento da execução penal, como se fará com o adolescente, encarcerando-o, sob o argumento nazista de que se trata de um bandidinho.
Flávia Oliveira, destoando desses abutres que pregam o terror da punição pela punição (ou seja: pena ou “justiça” como vingança), em texto publicado no jornal O Globo, 01.04.2015, p. 27, acentua que o adolescente a partir dos 12 anos é responsabilizado por crimes e é punido. Fato esse indiscutível. O adolescente que comete um ato infracional é internado (aprisionado), processado, sancionado (condenado), cumprindo a medida que lhe é imposta (pena) em estabelecimentos educacionais, que, à exceção de alguns poucos, são verdadeiras unidades prisionais. Portanto, a punição existe, incluindo o cerceamento da liberdade. O que ocorre é que as unidades socioeducativas, como os nossos presídios, não oferecem condições para reeducar o infrator. E aí a solução seria voltar aos tempos remotos: pena de galé, serviços forçados, chibatadas, execução pública do condenado, sem o subterfúgio da pena de morte aplicada diariamente aos nossos jovens, como ocorreu recentemente no Rio de Janeiro. Diz Flávia Ribeiro que “de 2006 a 2012, segundo o Unicef, 33 mil brasileiro de 12 a 18 anos foram assassinados. Neste ritmo, de 2013 a 2019, o país perderá 42 mil. Os meninos que o Brasil quer desprezar, um dia farão falta.”
Concluo, embora o assunto careça de mais aprofundamento analítico. Do mesmo modo, a Câmara para emendar à Constituição, atendendo a interesses de deputados que fazem parte das bancadas da bala e de denominados evangélicos, não fazê-lo do dia para noite. Encontrar-se solução para os nossos graves problemas sociais não pode ater-se a um debate emocional, trilhando o caminho da intolerância social, contaminado pelo ódio irracional da vingança. Depois vem o arrependimento: reduzimos a maioridade penal e nada mudou. Até porque não é lei que reforma a sociedade, é a própria sociedade que precisa se reformar. Antes que se trilhe o caminho da insensatez.