Meus caríssimos brocháveis,
 
Não sei se li certo ou se li errado. Mas encontrei nos jornais, meus caros brocháveis, uma frase que foi propagada aos quatro cantos, como se fosse um novo mandamento do machismo. Antes de ir ao tema, tive a inocência, mesmo a insensatez, de pensar que se tratava de alguma disputa para ser ator principal de algum desses filmes mais liberais que têm passado nos mais variados vídeos. Logo tomei ciência de que não era bem isso. O imbrochável é desses machões que não têm medo de reeleição, por isso, imbrochável, agüentando em qualquer competição, mesmo em se tratando de um reles e já garantida disputa eleitoral.
 
Brochável ou imbrochável, o certo é que o tempo anda meio turvo. E, recorrendo ao lugar-comum suediano, o mar não está para peixe. Aliás, deve ser dito, numa linguagem pátria amada: está mais pra general do que pra peixe. Mas parece que o governo de Rondônia brochou. Ainda tenha dúvida – e cruel dúvida – das causas que o levaram a brochar. Vejamos o que ocorreu: na atual circunstância, o fato não tão inédito; ao contrário, meus caros brocháveis, está se rotinizando. Lá no longínquo Estado de Rondônia, governado pelo coronel Marcos Rocha, diga-se constitucionalmente eleito, fez uma lista de livros para serem recolhidos das bibliotecas das escolas públicas. Nessa relação de livros com conteúdos inadequados, estavam obras literárias como Euclides da Cunha (Os Sertões), Ferreira Gullar (Poemas Escolhidos), Mário de Andara (Macunaíma), Rubem Fonseca (Agosto e etc.), Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas), Franz Kafka, ou Kafta, como o chama o ministro da desecudação (O Castelo), Poe, Nelson Rodrigues (a sua consagrada peça teatral Vestido de Noiva, e etc.), Carlos Heitor Cony (O Ventre e outras obras) e todos os livros de Rubem Alves, que teve a coragem de, nesta nossa pátria amada, escrever sobre educação). Nessa rede de censura, costurada pela turma dos imbrocháveis, penso que nem o Dr. Lair Ribeiro escapou, até porque anda muito serelepe ensinando como é que o pessoal pode vencer as dificuldades da vida para livrar-se do brochamento. Mas, nem sempre, com êxito.
 
O fato que, meus queridos brocháveis, a caça às bruxas veio a lume. Fez-se um grande e estrondoso escarcéu em torno dessas cassações literárias, sob o gravíssimo fundamento: a inadequação de conteúdos. As questões eram sustentadas ora contra, ora a favor. Uns vituperavam: o que diabo é Os Sertões para um jovem imberbe ler? Vai com certeza ser influenciado por um fanático. De fanatismo basta o da Sra. Damares. E o Ventre, desse desconhecido Cony, que, na ditadura militar, só escrevia contra o regime. Como justificar a leitura desse seu livro obsceno? Outros faziam as defesas de sempre e afirmavam: isso é censura. Uns mais insensatos concitavam a recorrer, com a veemência que o fato exigia, ao Ministro da Educação. Já um outro, mais precavido, perguntava: mas qual ministro e de que educação? Em resumo, sempre tem um resumo, tanto os que estavam na direita das questões, como os da esquerda e os do centro não tiveram uma resposta satisfatória. Mas o auê tomou conta da turma da fofoca. Bem. A bem da verdade, o governo do coronel – e ainda bem que é apenas coronel, se fosse general, a coisa seria bem outra, porque com general não se brinca – entrou num processo de brochamento. Começou um processo de desmistificação dos fatos. Conquanto houvesse documento oficial, originária da sacrossanta Secretária de Educação, determinando o recolhimento dos livros inadequados para a formação de nossos jovens inocentes, o secretário Suamy Vivecanda (já ouvi esse nome por aqui) afirmou do alto do seu posto educacional que nada daquilo estava ocorrendo. E dizia com ênfase: trata-se de “fake news”. Assim, ficou o dito pelo não dito. Pôs a culpa dessas preocupações ideológico-intelectuais nas costas da pobre “fake news”. Ainda bem que se tem essa nova figura para receber todos os males do mundo, a lembrar o mitológico bode-expiatório, aquele animalzinho que era levado para altar do sacrifício e, embora não fosse a vítima a ser sacrificada, mas levava para o mundo todos os males perpetrados por seus algozes.
 
Meus caros brocháveis, este pequeno e necessário recado nos ensina que, a depender das circunstâncias, impõe-se o recuo estratégico. Nem sempre o fato de se manter imbrochável é a melhor solução.
 
* Membro AML e AIL.