Vamos esclarecer, antes que os incautos, ignorantes e maldosos digam que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ações declaratórias de constitucionalidade, determinou que, daqui para frente, não haverá mais prisão, embora haja prática de qualquer crime por mais hediondo ou menos que seja. Para entender-se o que ocorreu, há necessidade de fazermos um resumido histórico das posições do STF, até que se chegue à quinta-feira 7 de novembro deste ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, como costumam alertar os cristãos fervorosos e os não assim tão fervorosos. Vamos lá aos fatos.
A Constituição brasileira vigente foi promulgada em 5 de outubro de 1988, após amplo debate, com participação ativa da soberania popular, numa Assembleia Constituinte, presidida pelo combativo deputado Ulisses Guimarães. É uma Carta analítica, que tem, logo no início, fixado os direitos e garantias fundamentais, cujas normas que os contemplam são consideradas cláusulas pétreas, o que quer dizer que não podem ser alteradas pelo constituinte derivado ou pelo legislador infraconstitucional, e muito menos por interpretação a ser dada por quaisquer de nossos tribunais. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal, que, ainda assim, poderá se manifestar se uma ou outra norma está ou não de conformidade com a Constituição Federal, podendo declarar a inconstitucionalidade ou a sua constitucionalidade, através de ações apropriadas para essa discussão, a serem examinadas de forma abstrata ou concreta, em face de cada demanda que chega ao crivo dessa Corte Suprema Constitucional.
O art. 283 do Código de Processo Penal foi alterado pela Lei n.°12.403, de 2011. Portanto, após a vigência da Constituição de 1988. E, ao ser alterado, fixou a seguinte redação: “Ninguém poderá ser poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciáriacompetente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
Num determinado momento, em que pese o contido nessa regra processual, o STF passou a entender a possibilidade de ser decretada a prisão do acusado, cuja sentença condenatória tenha sido, por via de recurso, confirmada em segundo grau, embora não tenha transitado em julgado. Ou seja: foi admitida pelo Supremo a prisão do acusado, em caso de confirmação da sentença em tribunais. Todavia, essa questão nunca foi pacífica nem no próprio Supremo Tribunal Federal. Alguns ministros que haviam prolatado voto a favor desse entendimento, passaram – o que é natural – a ter outra concepção dogmática, em vista do que prescreve a Constituição Federal.
No julgamento dessa quinta 7, o Supremo, por seus ministros, foi provocado, em ações declaratórias de constitucionalidade, para dizer se o referido art. 283 do Código de Processo Penal está ou não de conformidade com a Constituição da República. E chegou à concussão, por 6 votos a 5, que o art. 283 do CPP,  que garante ao acusado a liberdade para recorrer, só sendo preso por sentença condenatória transitada em julgada, é constitucional. E por que essa norma processual foi considerada constitucional?
Respondo. A própria Constituição brasileira tem duas regras, inseridas nos direitos e garantias, que se referem à presunção de culpa até o trânsito em julgado da sentença condenatória (inciso LVII, art. 5.°) e ainda que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (inciso LXI, art. 5.°). É evidente que a primeira garantia se refere à culpa, e a segunda, à prisão, fixando, nesta hipótese, limites para sua determinação. No entendimento do STF, o disposto no art. 283 do CPP não contraria essas regras citadas que dão ao brasileiro, qualquer que seja, a garantia de não ter o seu sagrado direito de ir e vir, primeiramente sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, e, em reforço, caso não ocorram quaisquer das hipóteses autorizativas do art. 312 do Código de Processo Penal. Essa referência ficou absolutamente clara por ocasião dos fundamentos dos eminentes ministros do STF, ao proferirem seus votos.
Portanto, deve ser esclarecido que o STF não está vedando a prisão de quem comete crime, desde que seja decretada de conformidade com as garantias constitucionais e diante das hipóteses que possam servir de fundamento para o decreto de prisão cautelar, nos termos que preceitua o art. 312 do CPP. Outros argumentos preconceituosos que vilipendiam a decisão do Supremo são apenas demonstrativos da ignorância e do desconhecimento dessa turma que padece de grave subnutrição mental. Sobre esse grave problema mental, a melhor resposta é o silêncio.

* Membro da AIL e AML.