Pego uma das nossas folhas. Página inteira, em anúncio publicitário, de cabo a rabo, está a grande e intocável Fiesp (pra quem desconhece, a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), indignada com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aquele que tem o dom da ubiquidade, servindo à direita ou à esquerda, mas sempre agradando aos detentores do dinheiro. Dessa vez, diz a turma do notório Paulo Skaf, desagradou. Antes de atacar o ministro, joga a poderosa (que nada tem a ver com Anita, a musa pop) alguns confetes: "O Brasil tem realizado um grande esforço para superar o pior período de recessão de sua história. Estão sendo adotadas medidas para permitir a retomada do crescimento econômico e da geração de emprego e renda. A FIESP tem apoiado e participado ativamente deste esforço." Na sequência, o ataque: "Neste cenário, causa total indignação a fala do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que preanuncia aumento de impostos. A ideia é descabida e vai na contramão do momento brasileiro. A sociedade jamais aceitará iniciativas neste sentido." E aí, no ensejo da indignação, faz ressurgir o figura do pato, concluindo com frase: Chega de pagar o pato. Ou seja: de pagar impostos.
Não digo que a Fiesp não tenha razão. Longe de mim tal veleidade. Também não quero pagar tributos. Ninguém quer. Nem os fiespeanos, que não são tantos, mas detêm mais de noventa por cento da riqueza do Brasil. Muito menos os trabalhadores brasileiros, que têm o infortúnio de pagar na fonte. E não há escapatória, ou mesmo fazer-se uma sonegaçãozinha, não dessas que deixam grandes sequelas ao erário, mas que, quando investigadas, não chegam a lugar nenhum. O quanto se sonega neste país!?! Só Deus sabe. Recorro a Deus numa busca de salvação, não só para mim, insignificante mortal pecador, mas para os poderosos fiespeanos, preocupados com a ânsia tributária do ministro que eles avalizam. O ministro é insubstituível no time dos fiespeanos. Como afirma a nota de repúdio: A Fiesp tem apoiado e participado ativamente dos esforços do governo atual. Aliás, diga-se, não só apoiado. A Fiesp foi a mentora, financiadora e ativa participante do impeachment. O Brasil inteiro sabe disso, até o mesmo o mais idiota, apenas dotado de cultura de panfleto.
Contudo, todavia, no entanto (vale toda essa redundância adversativa), ainda bem que o descontentamento dos fiespeanos não é de ordem absoluta. Há lenitivo, mesmo que seja decorrente da miséria dos outros. Recorro ao colunista da Folha, Bernardo Mello Franco, que, no dia 23 deste mês, na p. A2, escreveu logo após a aprovação da terceirização pela Câmara Federal. E inicia o texto fazendo uso das palavras do líder fiespeano Paulo Skaf e do presidente da Associação Comercial de São Paulo. Ambos exultantes com essa grande novidade que se constitui no cerne da chamada reforma trabalhista, que transforma o trabalhador em subempregado de terceira ou quinta categoria. O que dizem os nossos empresários fiespeanos? O seguinte: "É mais uma vitória no caminho do Brasil que queremos" (Paulo Skaf). "É um avanço para o Brasil" (Alencar Burti). Ora bolas, quando o pau canta (aliás, nem cantou, houve apenas um mero cochicho) contra o empresário, vem a indignação, a ideia é descabida e vai na contramão do momento brasileiro. Mas se a cacetada (sem cochicho) cai na cabeça do pobre trabalhador, que deposita seu voto para eleger parlamentares, e estes praticam estelionato eleitoral, o pobre do obreiro tem que pagar o pato. Logo, com a reação fiespeana, ninguém mais falará em aumento de tributo. O grande avanço para o crescimento do emprego e geração de renda (pra quem?, eis a necessária e cruel indagação) são as reformas da previdência e trabalhista, que atinge unicamente a cabeça do trabalhador brasileiro. Diga-se: o verdadeiro pato da história.
Vladimir Saflate, em artigo intitulado O fim do emprego, publicado na Folha, no dia 24 deste mês, p. C6, faz sérias e procedentes críticas ao projeto de terceirização. Faz, de início, esta afirmação: "Nunca na história da República o Congresso Nacional votou uma lei tão contrária aos interesses da maioria do povo brasileiro de forma tão sorrateira." Após, acrescenta: "Estudos sobre mercado de trabalho demonstram como trabalhadores terceirizados ganham, em média, 24% menos do que trabalhadores formais, mesmo trabalhando, em média, três horas a mais do que os últimos. Este é o mundo que os políticos brasileiros desejam a seus eleitores." Com essa esdrúxula reforma trabalhista, tão alardeada pelo governo fiespeano, as empresas poderão usar trabalhadores de forma sazonal, sem nenhuma obrigatoriedade de contratação por até 180 dias, esclarece Saflate.
Na verdade, pato somos todos nós, com exceção dos fiespeanos, que nunca pagarão o pato.
Sem presunção didática: donde se originou "pagar o pato"? Vem de uma brincadeira. O pato era amarrado a um poste. O jogador, a cavalo e a galope, deveria, de um só golpe, cortar as amarras, para libertá-lo. Quem errasse pagaria o pato. Da brincadeira antiga vimos aos tempos atuais. Os fiespanos, relata a história antiga e recente, nunca erram. Portanto, não pagam o pato. Qualquer deslize, pegam o seu farto dinheiro e vão para outro cassino. Os brasileiros, os derrotados da vitória no caminho do Brasil que eles querem, não têm pra aonde ir. Pagam sempre o pato. A história não mente. Apenas se repete. Basta dar uma vista dolhos em suas páginas.
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