Eis a grave questão, ora a desafiar a cidadania brasileira a encontrar uma resposta. Mas do que mesmo se trata?! Obviamente, dessa refrega entre o STF e a mais famosa instituição do nosso Brasil amado, que recebeu o garboso título, muito do uso comum dos nossos postos de lavadores de carro: a Lava Jato. Quem venceu? Quem perdeu? A perlenga continua. Tudo leva a crer que, pelo que informa o noticiário, o prélio se encontra, após disputa dos dois tempos regulares, em 7 a 4, para o Supremo. Estamos a aguardar a prorrogação, em que os craques desse acirrado jogo irão modular, ou melhor falando, adequar o sentido da ratiodecidendi. Desculpe-me: no trivial, modular o sentido do que foi falado entre eles, para estabelecer o equilíbrio, em que pese a goleado do placar, entre o que uns disseram em contraponto a que os outros argumentaram. O esperado desfecho não é bem uma disputa de pênalti. Mas, talvez, quem sabe, assemelhe-se a uma jogada final de algum jogo, cuja finalidade é facilitar a vida de uns e piorar a de outros. Então, modula-se: você se beneficia, mas aquele logo ali, em razão disso e daquilo, não. Pela Constituição, o STF é o seu guardião. A regra é clara, já afirmara o comentarista na TV.
Para entender essa sutileza de jogo, procurei alguns entendidos para interpretarem as suas complicadas regras. Um deles (em anonimato) foi incisivo e começou logo assim: “Nesse momento conturbado que envolve as nossas Instituições, todo pronunciamento da Suprema Corte brasileira tem sido, como é notório, objeto de significativa apreensão social. Sob a perspectiva histórica, dúvida não pode haver de que, quem é acusado, tem a prerrogativa de se manifestar por último. É certo que esse regramento também se verifica quando alguém é apontado como ator de ato ilícito no âmbito da delação, no bojo de uma ação penal.” E cita, para justificar, a regra contida no inciso V do art. 5.° da Constituição Federal, que estabelece como direito fundamental a garantia “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral (...) o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Isso a querer afirmar, como cláusula inarredável de qualquer processo, sobretudo o criminal, que o direito ao contraditório e à ampla defesa não pode, em nenhuma hipótese, ser postergado. Esse postulado que se encontra em todos os documentos, cartas, tratados e convenções de todo mundo civilizado. Pasmem, se quiserem: até mesmo da Venezuela e Cuba. E, no Brasil, acreditem, tem vigência desde as Ordenações Filipinas, no reinado de D. João IV. Há quanto tempo, hem?
Outro especialista (em anonimato), numa linguagem mais sutil, sustenta: “Ao assim proceder, a mais alta Corte do país impõe limites e mantém o vigor dos direitos fundamentais à ampla defesa e ao contraditório diante da Lei 12.850/2013, no ponto em que instituiu o regime da colaboração premiada, em decisão cujos contornos inconstitucionais erga omnes ainda serão integralmente apreciados”. Embora, nesse procedimento, em que o órgão acusador oferece um prêmio ao réu-delator, a delação se constitui num plus igual a uma prova e deve ser contraditada pelo acusado que, na sua sagrada defesa, é extremamente prejudicado pelas declarações do delator, nem sempre confirmadas por outras provas do processo. E outra questão fundamental não é apenas combater a corrupção, mas fazê-lo em conformidade com as regras vigentes, sobretudo as garantias constitucionais. De outro modo, a ação penal passa ser um odioso procedimento inquisitório, com forte prepomderância de interesses econômicos, políticos e religiosos, como vem acontecendo.
Estamos no momento na espera do resultado modulatório. No ensejo da disputa, um outroexpert braveja, num esgar de contundência: “Contudo, em se tratando de norma constitucional, sequer seria necessário esse debate. Há de se lembrar, se a nulidade é absoluta, os efeitos de sua declaração, são extunc.” Resolvi concordar. Ora, pois, pois, diria o português, se houve uma lesão a um direito fundamental, garantido por norma pétrea da Constituição Federal, razão pela qual o STF interveio, a nulidade gera necessariamente efeito retroativo, por isso, como afirma o especialista, extunc. De outro modo, fica tudo como antes no quartel de Abrantes. Perdeu-se tempo, e as palavras ficaram nas nuvens, servindo apenas de retórica, ficando lesados os direitos fundamentais já lesados por um sistema punitivo que não respeita o sagrado direito de defesa.
Embora o Ministro Edson Fachin tenha sido um dos que votou contra a concessão do habeas corpus, porém, em recente manifestação no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, declarou que “juiz não investiga, nem acusa. Juiz não assume protagonismo retórico da acusação nem da defesa. Não carimba denúncia nem se seduz por argumento de ocasião. Juiz não condena nem absolve por discricionarismos pessoais.” Se esta é uma regra sagrada a ser seguida, dita por um membro do STF, alguns juízes têm que deixar a magistratura e ir para outra carreira jurídica, em que possa exercer amplamente o seu protagonismo político. E receberá o honrado prêmio do bom trabalho profissional, sem a necessidade de recorrer à barbárie jurídica de atropelar a Constituição, sob a falsa suposição de fazer justiça. Assim, é bem melhor do que receber honrarias vergonhosas de cargo público.
* Membro do AML e AIL.
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