Aureliano Neto*
Estamos a viver purificação dos protestos. Há protestos para todos os gostos e medidas. Longe de mim adotar alguma posição que contrarie os protestos. É hora de se protestar. Quem não protestar, sai protestado. Já houve época em que as pessoas tinham um medo patológico de protestos. Mas era do protesto cambial. Um título protestado era - não sei se ainda é - uma nódoa inapagável. A honra do protestado era atingida em todas as dimensões objetivas e subjetivas. O sujeito não podia encarar, sem demonstrar uma expressão de contrariedade, um esgar de dor, até mesmo o amigo mais fiel, que tinha o cuidado de comunicar-lhe os sentimentos de repúdio por aquele ato impensado do credor, que, vencida a obrigação, não lhe concedeu uma reles chance de pagar em outra data. O inimigo, esse ria às escâncaras. - Tá vendo, vociferava aos quatro cantos, é um calhorda. Não honra as suas contas. Resultado: o nome protestado. Isso proclamado alto e bom som.
Mas... os tempos são outros. Os protestos são outros. Enfim, a vida é bem outra.
Portando, lanço os meus veementes protestos. Protesto contra o ronco do vizinho, que atravessa agressivamente a fina parede que nos separa. Protesto pelo excesso de alegria. As pessoas também devem ter direito à tristeza. Ser triste pode ser uma forma de não extravasar o sentimento do riso, porém contê-lo no recôndito espaço de nós mesmos.
Protesto contra a inflação baixa. Por que baixar os preços se o dólar está em alta? Desse modo, protesto contra a subida do dólar. Porém alguém mais atento se opõe a esse protesto: - Mas o dólar baixou! Então, do mesmo modo, protesto pelo simples fato de que dólar tem que tomar uma atitude definitiva: ou baixa ou sobe, de uma vez por todas. O que não pode é ficar nesse lengalenga de vai pra cima e vai pra baixo. Aqui fica o meu protesto, em que pese as chorumelas de Miriam Leitão, sempre inconformada com o destino de nossa economia. Ainda não descobri se essa jornalista está preocupada comigo, com você, com todos nós, ou com os norte-americanos. Mas, mediante protesto, vou averiguar.
O mais recente protesto, que não é meu, diga-se de passagem, foi de um grupo de 100 pessoas, que tomou a avenida para protestar contra os maus tratos dos animais. Não deixa de ser uma manifestação meritória. O pior não foi a manifestação em si mesma e sua finalidade. Foi o momento. Às 11 horas, quando a semáfora se encontrava fechado, os manifestantes, para dar realismo ao protesto, carregando gatos, cachorros, macacos e alguns pobres papagaios, além de outros bichos menos nobres, entre os quais um quati, todos de roupa branca (não os bichos!), ocuparam aquele logradouro público, que, diga-se, momentaneamente, deixou de ser público, segurando faixas com frases que deploravam a violência contra os animais. Lembrei-me de minha Sizy, uma cachorrinha que, quando casei, levei para a nova família. Mas deixemos Sizy de lado, Alguns manifestantes mais fundamentalistas denunciavam os matadouros e exigiam a adoção alimentícia de bife de soja. A cada palavra de ordem, todos respondiam em uníssono: - Bife de soja! Bife de soja! Bife de soja! Não é que eu seja contra, porém não sei bem se vale a pena. Teve um presidente da época dos militares que achou o leite de soja uma porcaria. É. Pode ser que se tenham aplicado novas técnicas de produção e alcançado uma melhoria gastronômica.
Volta aos meus protestos. Protesto contra o governo, especificamente o programa Mais Médicos. Pra que mais médicos. O governo, a teor do que se tem discutido por esse Brasil a fora, pode muito bem aplicar os vastos e inesgotáveis recursos, melhorando a qualidade de nossas rezadeiras. Médico mesmo, como querem alguns, só nos centros urbanos mais desenvolvidos, com hospitais devidamente estruturados. No resto do país, parteiras, rezadores etc. etc. etc. Longe de mim protestar contra os conselhos de medicina. Insisto: médico só para hospital que estiver com todos os equipamentos técnicos. Já não se têm médicos como antigamente, que olhavam o paciente, abriam seus olhos, apalpavam aqui e lá, e pum! A doença era diagnosticada. Vivemos outro momento. Ainda assim, se fossem convocados os curandeiros de nossas tribos indígenas, ter-se-ia se não uma solução, mas, na pior das hipóteses, uma rima.
Protesto,ainda, porque Dilma, a presidenta, está, sob pressão dos partidos aliados, liberando verbas de interesses diretos de deputados e senadores. Esse protesto se reveste de dois ineditismos: o ineditismo do próprio protesto e a liberação inédita dessas verbas, fato incomum no Brasil desde quando Cabral aqui aportou com as suas caravelas. Qual a solução para esses ineditismos: chamar o Barbosa, que se vem notabilizando pela vocação de condenar (os atos dos outros, não os seus!).
Por último, para não sair do modismo, protesto contra Cabral, o lá do Rio de Janeiro, e Renan, o do Congresso. Não sei bem por que, mas protesto. Quanto ao primeiro, dizem que fez a pacificação das favelas (isso não tem nenhuma relevância, afirmam os protestadores, entre os quais me incluo, apenas para não ficar marginalizado), e com referência ao segundo, dizem o diabo. Bem. Ficam os meus protestos, que se insurgem contra os excessos de notícias criminais. São tantas que até parece que vivemos cercados de bandidos por todos os lados. Enfim, protesto pelo simples fato de protestar. Meus calorosos protestos por tudo e por todos.
aureliano_neto@zipmail.com.br
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