Aureliano Neto*
A ideia de produtividade nos leva à concepção de um grupo de pessoas que estejam reunidas e harmonizadas, objetivando um fim específico e comum, para realizar alguma coisa com o emprego de técnicas, avançadas ou não, com o escopo de atender um universo de consumidores, em larga escala, do produto a ser produzido. Nasce no século XVIII com o advento da Revolução Industrial, que transformou os meios de produção, em face do surgimento das máquinas, assim operando uma revolucionária mudança social, que traz no seu caudal o sistema capitalista, lastreado no capital e no trabalho assalariado. De lá para cá, consolidou-se no mundo a dicotomia entre a classe trabalhadora (o assalariado) e do empregador (o capitalista). A Revolução Industrial foi uma avassaladora transformação não só na economia (no processo de produção), mas na vida das pessoas, nos costumes, no relacionamento, na maneira de pensar e agir. O trabalhador deixa de ser produtor artesanal, criativo, com ideias próprias, um mestre na concepção do seu ofício, para se transformar num homem que integra, mediante a paga de um salário, nem sempre justo, o sistema produtivo. Não é preciso que se diga que Marx insurgiu-se contra isso, denunciando que esse tipo de trabalho alienava o operário, constituindo-se apenas como meio de sobrevivência para que aquele que necessita de trabalhar para o seu sustento e da família, sendo explorado pelo detentor do poder econômico.
Essa verdade, com algumas variações, permanece até a presente data. John Maynard Keynes, um pensador complexo e confuso, num livro recentemente publicado, A grande crise e outros textos, subdivide a sociedade em três classes - a classe investidora, a classe empresarial e a classe assalariada -, sem destoar do sistema erigido a partir da Revolução Industrial, até porque Keynes esclarece que "estas classes sobrepõem-se parcialmente, e o mesmo indivíduo pode auferir um salário, dirigir um negócio e investir, mas na presente organização da sociedade, aquela subdivisão corresponde a uma clivagem social e uma real divergência de interesses". Quis dizer o grande e decantado economista inglês que patrão é patrão, empregado é empregado, capitalista é capitalista, assalariado é assalariado. Cada macaco no seu galho, com algumas possibilidades de mudança. Para alegria de todos nós, afirmam os entendidos em economia que as idéias de Keynes sequer foram entendidas pelos seus próprios seguidores.
Bem. Deixemos Keynes de lado. Foi apenas um gancho para fazermos algumas reflexões, que passam por outro capitalista: Henry Ford, norte-americano, pai da indústria automobilística, de cujo nome foi concebida a expressão fordismo: um sistema por ele criado de linha de produção de veículos em larga escala. Ford, com a finalidade de vender o produto, pensou em produzi-lo em grande quantidade, reduzir o preço e alcançar maior número de consumidores. Para isso, criou o sistema de produção em larga escala. Ao assim fazer, aperfeiçoou o processo capitalista, reduzindo o preço do produto, fazendo crescer o consumo e o seu lucro. Li por, esses dias, na revista História Viva, n.º 119, que os métodos fordistas estão largamente ultrapassados, tendo sido substituídos por outros mais eficientes. Aqui não vale a pena perscrutarmos quais os substituídos. Com certeza, foram mais eficientes, porque há muito tempo Ford desapareceu, deixando para história o seu método fordista, caracterizado pela excessiva especialização do operário na produção do veículo que seria, em tempo reduzido e em larga escala, colocado no mercado de consumo por preço mais acessivo ao consumidor.
A partir de tudo que foi exposto, comecei a tecer algumas reflexões instigantes, mesmo provocativas e desafiadoras. Fiquei a pensar se, nessa onda de criminalidade que estamos a viver, o Poder Judiciário, atendendo ao clamor social de condenações, não deveria pagar ao magistrado por produção em massa de decisões condenatórias. Aplicar-se-ia pois, a teoria do fordismo. Cada sentença, uma condenação, e um valor pago. Enfim, não se estabeleceria um critério de competitividade. Não. Não bem isso. Mas um critério de pagamento de produtividade de decisões condenatórias, independentemente se o acusado (ou o bandido, como quer a mídia e a sociedade) tivesse contra si provas que autorizassem o decreto condenatório. A teoria do domínio do fato seria de larga aplicação. Ter-se-ia a verdadeira aplicação do método fordista, dele emergindo o juiz condenador. Para alguns mais entusiastas, o mão-de-ferro. O problema maior para esse método, enfatize-se, de aceitação geral, seria o aumento do gasto público - por inexistir pena de morte - na construção de penitenciárias. Mas nessa onda condenatória, seriam abolidos os crimes de menor potencial ofensivo. Qualquer infração, com direito a ampla divulgação pela nossa mídia, seria condenação certa. E para evitar mais delongas, só haveria um recurso. E nada mais. Improvido o recurso, cadeia no infrator. Com certeza, com a utilização, em larga escala desse novo critério, estaríamos a stalinizar a justiça criminal brasileira, atendendo a gregos e troianos, que, no passado, não se entendiam, mas que, com o fordismo condenatório, encontrariam um lugar para rir às gargalhadas dos encarcerados. Não sei se se reduziria a criminalidade, mas atender-se-ia a sanha daqueles que vivem a clamar por cadeia. Talvez, quem sabe, não seja uma solução. Porém, uma certeza: não me candidataria a ser o carrasco dessa insensatez.
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