Antonio Cícero, compositor, poeta, crítico literário, filósofo e escritor brasileiro, que, recentemente, concorreu para uma vaga na Academia Brasileira de Letras, em disputa com outros intelectuais, não tendo infelizmente obtido êxito nesse certame, é havido como um pensador e poeta de grande respeito no meio intelectual. Em 1996, lançou o livro de poemas Guardar, que foi o vencedor do Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira. O poema Guardar foi incluído na antologia Os cem melhores poemas brasileiros do século XX, organizada por Ítalo Moriconi. 

Não quero colocar em discussão o talento de Antonio Cícero. O fato de não ter sido eleito para a Academia Brasileira de Letras não lhe retira o mérito de ser um excelente poeta e emérito pensador. Não conheço seu trabalho como compositor. Mas é filósofo e profundo conhecedor de teoria literária.
Um dos seus livros reflete a sua inquietação no campo da estética literária e do pensamento filosófico. Foi editado pela Civilização Brasileira e integra a Coleção Contemporânea. É uma obra interessantíssima, que vale a pena - e muito mesmo! - ser lida e meditada.
Estou lendo-a. Descobri quer a tinha em minha biblioteca, após encontrá-la com o amigo e acadêmico Lourival Serejo. Não se trata de uma leitura ligeira, descompromissada. Mas uma leitura refletida, pensada, a carecer de muita atenção. O título do livro é Poesia e filosofia. Nele, Antonio Cícero desenvolve ideias entrelaçadas sobre a filosofia, o poema, a poesia e o verso. Questiona se os filósofos, principalmente os da Antiguidade clássica, são também poetas. Um dos textos do livro por mim lido é O verso ainda não é poesia. O poeta e filósofo desenvolve algumas ideias que há muito as trago comigo e, quando tive oportunidade de dar aulas de literatura, as expus algumas vezes, sobretudo se se tratava de teoria da literatura, não enfocando a obra literária apenas sob o aspecto histórico.
Antonio Cícero afirma que "é certo que os filósofos mencionados (antigos) escreveram versos, mas escrever versos não é necessariamente escrever poemas". Diz mais: "Pensa-se comumente que a palavra 'poesia' é antônima de 'prosa'. Trata-se de um equívoco. "Poesia' não tem antônimo em português. Se quisermos falar do oposto à poesia ou ao poema, temos que usar algo como as expressões 'não poesia' e 'não poema'." Verso é palavra antônima de prosa, a qual quer dizer "em frente", "em linha reta", é discurso que segue em frente sem retornar. "Verso" tem outro sentido: é o discurso que retorna. O verso é um sintagma que exemplifica um padrão sonoro (ritmo, metro ou medida). Conclui o parceiro da cantora e compositora Marina em algumas canções, como Fullgás e Para começar: "De fato, qualquer coisa pode ser escrita em versos; qualquer um pode aprender a escrever versos; mas não chamamos de 'poema' qualquer texto escrito em versos, nem de poeta qualquer um que tenha aprendido a escrever 'versos'." Quer nos dizer Antonio Cícero que nem todo versejador faz poema, ou é poeta. Pode haver poema em prosa, ou o versos na prosa sem ser poema. A poesia está na obra de arte, quer seja a literária ou ainda a arte plástica, a música, na sua sonoridade. Depende do sentido estético, transformador, transfigurador, do mundo real. A obra de arte não é uma mera fotografia da realidade. Se fosse, seria apenas fotografia. Rubem Braga, sem fazer versos, foi um grande artista da crônica. Suas crônicas eram, esteticamente, verdadeiros poemas. Leiam-se, para constatar, as crônicas: O compadre pobre, Passeio à infância, Mãe, Lembrança de um braço direito, Ai de ti, Copacabana e muitas outras, entre as quais, ainda cito Viúva na praia, que o velho Braga inicia a narrativa fazendo uso de uma técnica simples, mas de grande recurso poético, porém não no sentido de apenas versejar. Vejamos: - Ivo viu a uva; eu vi a viúva. Ia passando na praia, vi a viúva, a viúva na praia me fascinou. Deitei-me na areia, fiquei a contemplar a viúva. Pois bem. Vejam que ritmo, que sonoridade. Só mesmo o grande poeta da crônica Rubem Braga. Mas, ao lado do velho Braga, há outros escritores que deram à crônica um fazer poético, como Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.
Fernando Pessoa fez poemas em prosa e versos. Em dias recentes, chegou às mãos do amigo Lourival Serejo um poema desse grande e eterno vate português, que já não é mais apenas de Portugal. É do mundo, de todos nós. Vejam que força poética: Depois de parar de andar / Depois de ficar e ir / Hei de ser quem vai chegar / Para ser quem quer partir / Viver é não conseguir. Do mesmo Fernando Pessoa, em prosa, no Livro do desassossego: A morte? Mas morte está dentro da vida. Morro realmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver. Carlos Drummond de Andrade, outro grande poeta, em Cidadezinha qualquer constrói essa lírica imagem: Casas entre bananeiras / mulheres entre laranjeiras / pomar amor cantar. / Um homem vai devagar. / Um cachorro vai devagar. / Um burro vai devagar. / Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. Leminski, o poeta dos versos curtos, falando da efemeridade do amor: o amor, esse sufoco, / agora há pouco era muito, / agora, apenas um sopro / ah, troço de louco, / corações trocando rosas, / e socos. Tudo isso não são apenas versos, mas poemas. Pura poesia. A nos dar o prazer estético da leitura.