Estamos vivendo a fase do pode ocorrer isso e pode ocorrer aquilo. A fase dos oráculos do caos. Os deuses da catástrofe são consultados e transmitem a resposta querida e desejada, atendendo aos interesses dos seus consultores. Quanto mais previsão catastrófica, melhor. O destaque oracular é dado com a dimensão dos fins almejados. Mas o que pode ser, nem sempre é divulgado como deveria ser. Fica-se na base da previsão astrológica, sem, felizmente ou infelizmente, consultar essas divindades gregas, ora em processo de ressuscitação. Apesar de todo esse pessimismo das previsões oraculares, originário e principalmente da nossa mórbida direita, pesquisa, divulgada pelo instituto Datafolha, conclui que 62% dos brasileiros acreditam que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. 16% não estão nem aí pra coisa alguma. Ficam na comodidade do muro, do tanto faz como tanto fez. E 14% dão preferência, dependendo das circunstâncias, à ditadura. Do que se conclui: 30% concordam em viver em regime de exceção das liberdades. Dedução natural, já que todos são livres para escolher o regime de governo que lhe convier, esse é o preço que paga a democracia, ao conferir às pessoas o exercício pleno da liberdade de, até mesmo, optar por outros sistemas de poder, que tenham como objetivo a eliminação da liberdade.
A Copa do Mundo está próxima. Há uma preocupação de que venha a influenciar no resultado do pleito eleitoral que também se aproxima. Uns torcem contra; outros a favor. Os mais empedernidos estão torcendo contra o Brasil. - Ah!, vituperam, babando de ódio, se a seleção perder, conclamando aos quatro cantos, ganhamos a eleição. Outros, mais solft, torcem pelo escrete canarinho (ih!, que coisa antiga, hem?, escrete canarinho!!!, meu Deus!), e ainda agregam a torcida pelo recrudescimento da inflação. Quanto mais os preços subirem, melhor ainda. Ilação que decorre da certeza de que o período da copa é de incontido consumo. A demanda supera a oferta, como nos ensina a velha lei da economia. E aí, bingo!, como costuma referir-se o filósofo Lenio Streck, a vaca vai definitivamente pro brejo e fica do jeito a vida quer. Eleição no papo. Ganha-se em cima da catástrofe. Depois, dizem esses vendedores do caos, damos um jeitinho de melhorar as coisas. A mídia, a eterna coadjuvante, ajuda. E não é que eles têm razão. Trata-se de uma certeza que beira a verdade verdadeira. Os arautos desses oráculos fundamentam seus argumentos em fatos irrefutáveis. Induvidosos. Assim sustentam que o "leading case" é julgamento do mensalão petista e do mensalão mineiro, do PSDB. No primeiro, com foro privilegiado ou não, todos foram julgados no STF. Os infringentes foram uma batalha dos diabos; no segundo, com imensa possibilidade de prescrição da pena, a ação, por decisão amplamente majoritária do mesmíssimo Supremo Tribunal Federal, retornou para a instância de base. Resultado: um silêncio quase sepulcral, na feliz expressão do nosso reacionaríssimo Nelson Rodrigues. Nenhum editorial virulento, combativo, moralista, de explícita denúncia da impunidade. Coitadinho do Zé Dirceu. Vai ficar lá na Papuda, cumprindo pena em regime fechado, embora condenado para cumpri-la em semiaberto, com "direito" a trabalhar. Dizem, sem uma reles prova, que usou, de dentro do presídio, um celular. Que participou de banquetes. Mas a nossa indefectível e impoluta OAB fez uma minuciosa inspeção no presídio, nos meses de janeiro a março deste ano, através de suas Comissões de Ciências Criminais e Segurança Pública e de Direitos Humanos do Distrito Federal, e nada constatou. Pelo contrário, concluíram nossos combativos advogados que "os detentos (mensaleiros) comem a mesma 'xepa' (quentinha) servida aos presos e têm pouco menos de duas horas de banho de sol. Nada de especial", concluem. O relatório com mais de 40 páginas faz um minucioso exame da situação prisional. Nada foi divulgado. Ora bolas, quem manda o Zé ser do PT e ser condenado no mensalão do PT. Arruda, do DEM do DF (em fase de esquecimento midiático!), que foi flagrado recebendo uma grana roxa, continua livre, leve, solto, e já está pronto para uma nova candidatura.
Por que o "pode!!!" do título? Simples. A nossa aguerrida Folha de São Paulo, edição do dia 13/4/2014, p. B4, Mercado, traz uma reportagem oracular, prestidigitadora do caos. Afirma, com a isenção que a tem notabilizado no combate ao governo, sem lhe conceder sequer o direito à dúvida: Metrô, táxis, trens, motoboys e aeroportos podem sofrer parada. Propaga o caos iminente, firmado na tese do "pode". Por força desse futurismo factual, o Brasil, em plena Copa do Mundo, fechará as portas. Por que isso? Pra que isso? A notícia futurista destacada deixa transparecer um ódio às coisas do Brasil. Um apego excessivo ao quanto pior melhor. Um partidarismo odioso. Assim, inviabilizada a copa, aplausos. Nem na época da ditadura - para alguns, inclusive para Folha, ditabranda - percebi tanto ódio no noticiário. Além de tudo isso, para incentivar o caos, a Folha está criando um "protestômetro" na internet. É sério. Ferramenta, segundo informa, que vai permitir aos leitores acompanhar diariamente a quantidade e os detalhes das manifestações e greves em dez das principais cidades do país. Meu Deus, meu Deus, onde estás que não responde?! Quanta crueldade jornalística. Ainda bem que 62% entendem ser a democracia a melhor forma de governo, a quererem um Brasil, sem o ufanismo doentio da pátria de chuteiras, mas longe do caos acalentado por essa futurologia patológica.
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