Aureliano Neto*

Estamos a viver o tempo das partidas. E das partidas dolorosas, que nos ferem profundamente a alma. É como se estivéssemos num porto, e o navio, ao ressoar o seu apito pungente e, ao mesmo tempo, de um chorar derramado, estivesse saindo lentamente sob a visão, alegre e triste, de muitos lenços brancos ou de cores, a acenarem e a dizerem adeus definitivo. No meio da pluralidade das despedidas, alguém da família, ou mesmo um anônimo, pede a Deus que proteja e mesmo receba os viajantes que partem para o encontro com a tragédia inevitável de todo ser humano, mas que apenas representa o desenlace material, e jamais a quebra definitiva do vínculo sentimental, costurado no amor do convívio. O navio, essa alegoria passageira, leva no seu trajeto os nossos entes amados que todos nós sabemos que partem em viagem final. Um amigo meu que partiu por esses dias me dizia, quando lutava contra a doença: a morte é uma tragédia inevitável. Não lhe tiro a razão.
E esse navio leva vidas, leva história de vidas, leva sentimentos, leva saudade, leva pedaços imensos do que amamos, leva, enfim, pedaços de cada um de nós. Não é um Titanic. Mas esse navio, convenhamos, carrega consigo a tragédia de nossas perdas.
Saramago escreveu em algum lugar um dos seus pensamentos que nos desafia a refletir sobre a essência da memória presa em nossas ideias. Disse: "Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória." Pois é: a memória nos habita. E os amigos, as pessoas queridas com as quais convivemos durante toda uma vida, nos habita também. As partirem, eleva-se ao pedestal dos nossos mais puros sentimentos a força da saudade dos lenços das despedidas daqueles que ficam no cais do porto. A única reposta: as lágrimas vertidas expressando a solidão da dor dos que ficam.
Pois bem. Toda essa reflexão é para dizer da minha imensa saudade da partida do amigo Dr. Oscar Gundim. Uma saudade que faz com que o tempo se faça tão presente quanto o foi no passado. É, direi, o passado que não passa, porque o curso da vida, se quisermos vivê-la na sua intensidade transcendental, não tem passado. Só o presente, uma vez que a memória nos habita, revogando o passado, eterno tempo presente.
Oscar, como o chamava nas conversas que com ele mantinha, além de ter sido um grande ser humano - amigo, pai de família exemplar, cordial e solidário - foi um brilhante e competente advogado, que honrou a sua profissão, elevando-a ao patamar do exercício ético.
Convivemos bastante nas lides forenses e fora delas. Foram épocas difíceis, nesta cidade de Imperatriz, quando os advogados se organizavam, com a inclusão das demais comarcas desta região. Dávamos os primeiros passos para criação da Subseção da Ordem dos Advogados. Éramos tão poucos. Mas todos lutavam, como se fossem os ingleses a rechaçarem os bombardeios dos alemães durante a Segunda Grande Guerra. Ressalto: a minha participação inicial era quase nada. Os grandes baluartes dessa luta foram os advogados Geraldo Mariano (primeiro presidente da Subseção), Edivaldo Amorim (integrante da diretoria), Sálvio Dino (o mentor da ideia), Faraht, Clemente Viégas, Wener Pereira Lopes, Agostinho Noleto, Osvaldo Alencar.
Criada a Subseção da OAB, teve início a luta pela melhoria da prestação jurisdicional e, sobretudo, a fiscalização do exercício da advocacia, já que havia tráfico de influência em que um ou outro advogado, arranhando a ética da profissão, era prestigiado em detrimento dos demais. Combateu-se a atuação dos falsos advogados, que se apoiavam, acima de tudo, na influência econômica. Esses momentos foram extremamente duros. Mas a Subseção se impôs como a voz única dos advogados, não fugindo ao bom combate.
Dr. Geraldo Mariano assumiu a presidência da primeira diretoria. Depois, o aguerrido Dr. Osvaldo Alencar Rocha, com o qual tive a honra de trabalhar algumas causas em conjunto. Após esta progressista gestão, foi a vez deste escriba. Já o Dr. Oscar Gundim tinha participação ativa. À época, para legitimar as reivindicações, reuníamo-nos para deliberar, e levávamos as propostas à direção do Fórum e ao Tribunal de Justiça. Dr. Oscar, juntamente com os demais advogados comprometidos (com exceção de um ou outro), tinha uma participação solidária muito forte. Tanto que o apoiei como candidato à presidência da Subseção para o biênio seguinte. Exerceu com brilho dois mandatos consecutivos. Os momentos continuaram difíceis. Os obstáculos foram vencidos com o apoio dos companheiros, entre os quais se destaca o Dr. Oscar Gundim. A sua partida nesse momento de grandes perdas, deixa um vácuo moral. Sempre tive por Oscar amizade e admiração que o tempo não teve a ousadia de apagar. Deixo aqui meu abraço a ele que vai, ainda tendo muito a nos doar. Abraço a D. Marleusa e seus filhos. Em mim fica a imensidão da saudade das nossas lutas, que foram tantas, que só a história, um dia, quem sabe, saberá contar. O vazio ético não desaparece com a partida de Oscar, porque as suas lições ficaram para os mais jovens que muito aprenderão com elas.

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