Ministra Fátima Nancy Andrighi, tenho pela senhora uma admiração imensurável, demonstrada nos vários momentos que tivemos oportunidade de encontrar-nos, sobretudo nos FONAJEs – Fóruns Nacionais de Juizados Especiais. Tudo começou em Maceió, AL. E de lá para 2015, o tempo passou. Ainda fervilha em minha mente esse encontro inicial, por uma série de fatores. Primeiramente, nesse meu contato inaugural com a senhora, Ministra, fui, como sempre tenho sido, um espectador de suas proficientes palestras em que o enfoque são os Juizados Especiais. O seu livro – Juizados Especiais Cíveis e Criminais –, feito em coautoria com o Ministro Sidnei Beneti, é uma das melhores e mais preciosas obras sobre o tema. É como aquele excelente perfume, de um pequeno frasco, a transmitir eternas e inesquecíveis lições. Consulto-o sempre. Não vai aqui nenhum laivo bajulatório. A senhora, Ministra Nancy Andrighi, não precisa ser bajulada, e sim respeitada. Não pelo cargo de Corregedora do CNJ, mas pela magistrada que é. O STJ e o CNJ se enobrecem com a sua presença. Seus votos judiciosos, como relatora dos recursos ou não, expressam profundos conhecimentos jurídicos e, acima de tudo, muito humanismo.

Dito tudo isso – e a senhora Ministra merece muito mais –, passo ao texto de sua lavra – Redescobrindo os Juizados Especiais, que foi publicado nos jornais de nossa velha e moderna São Luís. Velha, porque tem a beleza do seu passado. Moderna, porque, ao mesmo tempo, padece de todos os males da pós-modernidade. Andar pelas suas ruas é viver o que foi, é sentir o que é e é pensar nas possibilidades de profundas mudanças, para melhor viver-se. Faço essa ligeira reminiscência, porque a senhora inicia o texto afirmando que “há momentos na vida que se faz necessário um olhar com ternura ao passado”. A dizer que esse olhar de ternura se volta aos Juizados Especiais, porque conserva ainda a certeza de que “eles foram e sempre serão um divisor de águas na história do Poder Judiciário”.
Também, ainda tenho essa convicção, embora já bastante arrefecida. E por que esse arrefecimento?
Respondo, Ministra. E vou ser um tanto ríspido ou pessimista nesta minha resposta, até porque, embora aceite a afirmação de Allan Poe, de que toda certeza está nos sonhos, temos que pisar no chão árido da crua verdade. Ministra, depois daquele iniciozinho, lá em Maceió, nos anos de 1996 ou 1997, quando ocorreu o XII FONAJE, participei, com extremo entusiasmo de vários FONAJEs, integrando até a diretoria. Também participei de cursos sobre conciliação e mediação, promovidos pelo CNJ ou por entidades privadas. No Maranhão, fui, num exíguo espaço de tempo, Coordenador de Juizados Especiais, ocasião em que promovemos aqui vários encontros, com a presença do André Goma, da Bahia, do nosso querido Roberto Bacelar, do Paraná, e do Ministro Gastaldi Buzzi, à época exercendo o cargo de desembargador em Santa Catarina. Tudo para aprimorar os Juizados na sua precípua destinação, que é conciliar, pacificando os conflitos. O sonho ainda é sonho. Os Juizados, Ministra, se transformaram em grandes varas. Formalizaram-se. Turma de uniformização passou a ser instância recursal de julgamento, a exemplo do que ocorre no STJ, com o uso ostensivo da Resolução nº 12/2009, que, sob a justificativa, de dirimir divergência jurisprudencial entre julgamentos de Turmas Recursais e decisões (recursos repetitivos e súmulas) do STJ, reforma os julgados da instância revisora dos Juizados. Seguindo essa nefasta trajetória, Ministra, os tribunais também estão intervindo, sob o argumento de controle de competência, quando provocados por mandado de segurança. Resumo da ópera, Ministra: a nova Justiça está sucumbindo ante a grave interferência da Justiça tradicional. O novo está tropegando de velhice.
Ministra, atente bem, as conciliações estão no estertor. Se não, mortas, a não ser naquele periodozinho de marketing, da semana de conciliação, determinada pelo CNJ. Basta que se faça um levantamento dos recursos que chegam às Turmas Recursais, e se terá a ideia concreta dessa falência. Explico: havendo conciliação e homologada, não há recurso (art. 41 da Lei 9.999/95). Ora, se se tem avalancha de recursos, a conclusão óbvia é de que a conciliação perdeu significado, como marca identificadora dessa nova Justiça.
Refere-se o texto ao art. 2º da Lei do JEC – viga mestra dos Juizados, a impossibilitar a invasão indébita do CPC, o atual e o que está chegando, nos Juizados. Não aplicados esses critérios: da oralidade (prevalência do debate oral), simplicidade e informalidade (não aplicação do CPC no procedimento do JEC, a não ser quando a lei fizer expressa referência, ou se não se chocar com os princípios básicos dos Juizados), celeridade (as decisões do JEC são definitivas, não havendo sequer ação rescisória), economia processual (o máximo de resultado com o mínimo emprego de atividades processuais) e conciliação (arts. 21, 26 e 57 da Lei 9.999/95), que se constitui o cerne dos Juizados Especiais, não se confundindo com inexpressiva proposta de acordo, mas de emprego de técnica de pacificação, o novo é velho. Precisamos, Ministra, não só redescobrir os Juizados, mas de repensar, reformar, refazer, antes que seja tarde.